quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

RETROVISOR

Onde a máquina me leva há tanto e tanto e tanto...
Para ver e ouvir e sentir.
Contudo só se obtém o desprendimento quando há liberdade de si mesmo
Alguns não conseguem viajar, sobretudo os oprimidos...
Não os escravos do mercado de trabalho,
Mas os oprimidos e opressores de si mesmos
Em nome de um sentimento nauseabundo e decadente.

Viajar requer desapego.
É aprender a deixar com os rastros da máquina
Quaisquer sintomas de realidade que possam ferir.
Despir-se um bocado do seu mundo,
Alçar voo, pegar estrada,
Caminhar novas trilhas
É curar-se de si mesmo.



Ps: Inspirada no tema inverso da música Retrovisor.


segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

PATACHO

Jamais soube por que sobrevivi, até então.
Nunca encontrei uma explicação para tamanha fortuna do destino comigo.
Naquele ano eu conheceria mais um estado no Nordeste. 

Tudo certo para a viagem. Planos aos montes.
Programa a quatro mãos amigas.
Mapa das praias. 
Pés atentos à possibilidade da areia.
Ânsia do cheiro do mar.

Mas naquela manhã tudo cessou por alguns segundos.
Esperança mitigando as mentes companheiras.
Nada de mar. Nenhuma brisa. Sonhos dissipados.

Não seria naquele ano a viagem. Nem no outro.
E eu não entendia a carícia do destino em mim.
Por que a vida me quis por mais tempo?
O que havia para ser feito ainda?
Por que fui poupada?
Jamais saberia, se não tivesse ido àquele lugar.
Finalmente, dois longos anos passados... 

Quando meus olhos pousaram naquele verde,
Ao sentir o cheiro da brisa. O sol.
Areia sob os pés. Os coqueiros. 
Meus olhos descansados na paisagem...
O mar, o sol, a areia, os coqueiros.
Eles de novo e de novo.
E meus olhos e o mar e o sol e a areia e os coqueiros
E os olhos e...

Os olhos assentados ali e a clarividência.
Era só isso: algo no universo me deu a chance.
Eu vivi para ver. Vivi para que meus olhos se deliciassem
Com o espetáculo do mundo:
O paraíso. Eu vi o paraíso.
Agora já posso morrer...

DO MAR...

"A imensidão do mar que nada pode modificar 
ensinou-me a paciência.
O mar une, o mar estreita, o mar liga. 
[...] 
eu, ladrão, marinheiro, contrabandista, guerrilheiro, 
sempre à margem de tudo
mas não é a praia uma margem?"
Personagem Mautiânvua
MAYOMBE - PEPETELA
Óh, mar, ensina-me a paciência...

PONTUAÇÃO

Escrever é preciso,
Pontuar também.
Escreva, pontue, leia. 
Escreva, pontue, leia...

Era isso que queria dizer?
Sim, Não. Não era.
Nunca se diz o que realmente se deseja.
Há sempre algo que permanece enroscado na garganta.
Gritos. Palavrões. Pseudorrazões. 
Palavras. Palavras. Palavras.
Vírgulas. Reticências. Pontos finais.

Exclame. Interrogue. Cite.
Cite o que não é seu.
"O problema da solidão
é que não temos a quem mentir."
Mentir para o outro é tantas vezes mais atraente
que mentir a si mesmo.
Mas pontue sempre,
mesmo que com reticências.

Pontue como fazemos com a vida, não raro.
Momentos de pausa.
Assuntos  irresolutos.
Tempos de falar. Ou calar-se.
Questionar. Responder.
Admirar-se. Exclamar...
Explicar. Mentir, omitir. 
Deixar algo, esquecer... Ou tentar.

Escrever é preciso! Pontuar também.