quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Poema da minha alienação

Porque desejo esse alguém
que me invade e me ocupa
que me usurpou a palavra e o gesto
me fez estrangeiro do meu corpo
e me deixou mudo, contemplando-me.
Mia Couto

A Saudade

"A saudade é um morcego cego 
que falhou o fruto 
e mordeu a noite." 
Mia Couto 
(Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra)

A ordem da tristeza...

"[...] primeiro, me acabou o riso; depois, os sonhos; 
por fim, as palavras. 
É essa a ordem da tristeza." 
Mia Couto
(No Livro A varanda do frangipani)



terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Demoras

"Alguém diz:
'Aqui antigamente houve roseiras'
Então as horas
Afastam-se estrangeiras,
Como se o tempo fosse feito de demoras."

Sophia de Mello Breyner Andresen

*.*

"Há coisas encerradas dentro dos muros que, 
se saíssem de repente para a rua e gritassem,

encheriam o mundo."
Federico García Lorca

Antes de nascer o mundo

"[...] a vida é demasiado preciosa 
para ser esbanjada 
num mundo desencantado."
Mia Couto 
(Da personagem Silvestre Vitalício)

....

"E agora o que fazer com essa manhã desabrochada a pássaros?"

Manoel de Barros 


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Sem ti

Num deserto sem água

Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência 
é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner Andresen



Senhor - Sophia de Mello Breyner Andresen

  • Senhor se da tua pura justiça 

  • Nascem os monstros que em minha roda eu vejo 

  • É porque alguém te venceu ou desviou 

  • Em não sei que penumbra os teus caminhos 


  • Foram talvez os anjos revoltados. 

  • Muito tempo antes de eu ter vindo 

  • Já se tinha a tua obra dividido 


  • E em vão eu busco a tua face antiga 

  • És sempre um deus que nunca tem um rosto 


  • Por muito que eu te chame e te persiga.


domingo, 19 de janeiro de 2014

O Canto de Zaratustra

“Prometa-me”, disse à irmã, “que quando eu morrer só meus amigos se achegarão ao meu ataúde. Veja que nenhum sacerdote, ou quem quer que seja pronuncie falsidades à beira do meu túmulo, pois já não estarei em situação de defender-me; quero descer à terra como um honesto pagão.” Nietzsche

Quando o amor não está...

"A vida ficou de repente apática e desinteressada, como se pretendesse descer na próxima parada. Abafou os sons que costumava ouvir, com medo de sentir saudade. Baixou os toldos sobre a claridade, para que o brilho do dia não arranhasse a solidão. Preferia permanecer quieta e sombria. Guardou o açúcar como se quisesse impedir o doce de mesclar o fel que, porventura, houvesse. Sensações e sentimentos devidamente amordaçados, rabiscou no papel seu breve recado: "Saí para almoço. Pretendo voltar, não sei se posso. Seja, por favor, condescendente. Quando o amor não está, é costume da vida suspender o expediente."     Flora Figueiredo

Fechado para balanço

" Coração fechado para balanço.
Inoperante.
Mesmo com saldo negativo,
ele amanhã abre de novo
e segue adiante."
Flora Figueiredo

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Pedaço de mim

"Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais [...]"
Chico Buarque

Espera


"A vida é muito curta 
para que percamos tempo 
em esperar por quem 
não quer chegar.

Nicoli Miranda



quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Cante lá que eu canto cá

Pois você já tá ciente
nossa vida é diferente
e o nosso verso também
Patativa do Assaré 

Ah, essa Literatura...

"Hoje eu estou com frio. Frio interno e externo. 
Eu estava sentada ao sol escrevendo e supliquei, 
oh meu Deus! preciso de voz." 
Carolina Maria de Jesus 



"A nossa literatura ainda é de pessoas que pertencem à mesma classe social, mesma cor, mesmo sexo." (Regina Dalcastagné)   Ou seja, é de brancos, classe média e do sexo masculino...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O imigrante

Tua alma tem as feridas
recentes de um homem cortado
ao solo, pela raiz.

Que importa? nascerás de novo,
como se diz na frase bíblica.
Vens de um mundo que sangra
por milhões de feridas no corpo.
Trazes o dia de manhã nos olhos
e a dor consciente das encruzilhadas
no coração e na roupa, em remendos
de todas as cores,
o mapa de todas as pátrias.

Cassiano Ricardo. Martin Cererê

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Peru

Existem certos momentos 
que foram feitos para nos lembrar 
que, apesar dos percalços,
 a vida vale a pena.

Intensidade

"Ah, quer saber o que eu penso? Você aguentaria conhecer minha verdade? Pois tome. Prove. Sinta. Eu tenho preguiça de quem não comete erros. Tenho profundo sono de quem prefere o morno. Eu gosto do risco. Dos que arriscam. Tenho admiração nata por quem segue o coração. Eu acredito nas pessoas livres. Coragem boa de se mostrar. Dar a cara a tapa!  Ser louca, estranha, linda, chata! Eu sou assim. Tenho um milhão de defeitos. Sou volúvel. Tenho uma tpm horrível. [...] Adoro ficar sozinha. Mas eu vivo para sentir. Por isso eu te peço. Me provoque. Me beije a boca. Me desafie. Me tire do sério. Me tire do tédio. Vire meu mundo do avesso! Mas pelo amor de Deus, me faça sentir... Um beliscãozinho que for, me dê. Eu quero rir até a barriga doer. Chorar e ficar com cara de sapo. Este é o alimento: palavras para uma alma com fome. Te pergunto: você aguentaria viver na montanha-russa que é meu coração? Me desculpe. Nada é pouco quando o  mundo é meu." Clarice Lispector

Eu apresento a página branca.

Contra:

Burocratas travestidos de poetas
Sem-graças travestidos de sérios
Anões travestidos de crianças
Complacentes travestidos de justos
Jingles travestidos de rock
Estórias travestidas de cinema
Chatos travestidos de coitados
Passivos travestidos de pacatos
Medo travestido de senso
Censores travestidos de sensores
Palavras travestidas de sentido
Palavras caladas travestidas de silêncio
Obscuros travestidos de complexos
Bois travestidos de touros
Fraquezas travestidas de virtudes
Bagaços travestidos de polpa
Bagos travestidos de cérebros
Celas travestidas de lares
Paisanas travestidos de drogados
Lobos travestidos de cordeiros
Pedantes travestidos de cultos
Egos travestidos de eros
Lerdos travestidos de zen
Burrice travestida de citações
água travestida de chuva
aquário travestido de tevê
água travestida de vinho
água solta apagando o afago do fogo
água mole sem pedra dura
água parada onde estagnam os impulsos
água que turva as lentes e enferruja as lâminas
água morna do bom gosto, do bom senso e das boas intenções
insípida, amorfa, inodora, incolor
água que o comerciante esperto coloca na garrafa para diluir o whisky
água onde não há seca
água onde não há sede
água em abundância
água em excesso
água em palavras.

Eu apresento a página branca.

A árvore sem sementes.

O vidro sem nada na frente.

Contra a água."      ARNALDO ANTUNES

bomba travestida de árvore...

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Alma

Era para ter sido uma poesia sem nome
Uma música livre de cifras
Um céu desnudo de estrelas.

Era para ter sido um sono sem sonhos
Um livro ausente de palavras
Uma história sem continuação

Era para ter sido um breve pulsar sem vida
Um mito sem deuses
Uma figura sem linhas

Entretanto foi alma.


Silêncio

Preciso do teu silêncio
cúmplice
sobre minhas falhas,
Não fale,
Um sopro, uma menor vogal

pode me desamparar,
E se eu abrir a boca
minha alma vai rachar,
O silêncio aprendo,
pelo construir, É um modo
denso/tenso
_ de coexistir.
Calar às vezes,
é fina forma de amar.

Affonso Romano de Sant'Anna

Intensidade...

"Sou dramática, intensa, transitória 
e tenho uma alegria em mim
que quase me deixa exausta.
Eu sei sorrir com os olhos
e gargalhar com o corpo todo.
Eu sei chorar toda encolhida
abraçando as pernas.
Por isso, não me venha com meios-termos,
com mais ou menos
ou qualquer coisa.
Venha a mim com corpo,
alma, vísceras
e falta de ar."
Clarice Lispector

domingo, 12 de janeiro de 2014

Cicatriz

"Toda cicatriz nos faz lembrar 
que o passado foi real..."

E algumas ficam ali
bem vivas 
todos os dias.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Tendo a lua

"O céu de Ícaro tem mais poesia
que o de Galileu..."
Herbert Vianna
E quem dera pudéssemos pisar a lua 
que boia no imenso infinito,
mesmo sem sabermos voar...

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Sem convenções

"Casamento é o túmulo do amor. 
Foi inventado para seres humanos medianos 
que não são aptos nem para um grande amor 
e nem para uma grande amizade, 
ou seja, para a maioria".
Friedrich Nietzsche

Feliz minoria essa 
que não se prende a convenções
para se sentir livre e plena...

Prelúdio

E das cartas que escrevestes
restaram cinzas passeando em minhas mãos.
Sopro lentamente 
e se espalham
e fogem pelo ar
anunciando o prelúdio
de uma nova sinfonia
que só ouvem 
os que se afinam com a vida.


Novo dia

Que os novos dias venham
Ensolarados ou cinzas
E tragam boas novas
Para qualquer ser humano
Que se pretenda Ser.

Que a vida chegue
pela porta ou janela
do peito antes condoído por perdas.
E saiba aproveitar os novos horizontes 
que prometem mudanças
cobrindo as sombras com cores...

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

POEMA

Eu não quero o teu corpo
Eu não quero a tua alma,
Eu deixarei intato o teu ser a tua pessoa inviolável
Eu quero apenas uma parte neste prazer
A parte que não te pertence.

Joaquim Cardozo

Mas que seja breve, posto que nada nos pertence.
Ninguém fica intacto depois de pensar ter amado
E eu não quero ver-te respirando à morte
Num fio tênue de prazer que nunca mais virá a ser.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Da saudade

"Morrer de saudade é para os fracos. 
Heroísmo é viver de saudade,
 toda lembrança faz chantagem."
 Carpinejar


sábado, 4 de janeiro de 2014

Eu amo tudo o que foi

Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
FERNANDO PESSOA

Mania absurda de viver de ontens.
Que venham os hojes 
Trazendo flores
Para amanhã saborear o que já murchou...

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

"[...] E caminhando, investigava-me: por que estaria eu condenado até os fins dos tempos a ser o que sempre fui? Por que um homem não pode mudar? Por que um homem não pode, súbito, tomar outro rumo? Entrar nas cores, na carne de outro projeto de vida?"
(CRISTÓVÃO TEZZA, 1995)
Mas mudar requer um esforço sobre-humano
e nem sempre conseguimos Ser além 
dos reles mortais que somos.