segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

O DUPLO

Cuide bem de mim...
Cuide-se-me!
Pois é só o que temos de nosso.

E se quiser fugir,
Não haverá lugar que possamos ir.
Nada há em canto nenhum
Para esconder de nós mesmas
Nossas próprias máscaras.

A sua, a minha...

Sua aparência, minha hipocrisia.
Minhas dúvidas, suas certezas.
Minhas descrenças todas,
Seus créditos conspiratórios.

Não somos mais nada.
Impossível essa parceria.

Tal assunto deverá ser 
tratado por um terceiro,
Jamais conosco mesmas.

Já não entendo mais nada.
De desentendida me farei.
Eu sou você, 
Mas não estou certa de que
Um dia você serei eu.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

SEM PERDÃO

"Não me perdoo por ter nascido. é como se eu, quando me infiltrei no mundo, tivesse profanado um mistério, violado uma obrigação de alto nível."  E. CIORAN (citação no livro PÓS DEUS, de STEVE SLOTERDIJK, p. 95)



terça-feira, 5 de novembro de 2019

DESASSOSSEGO

Quem sabe a noite fosse clara,
não houvesse tanta angústia.
Porém eu não quereria luminosidade,
pois não desejo revelar meu íntimo.

A incerteza das coisas é que me move.
Repenso a dúvida todo dia,
Como se fizesse parte da alegria que não tenho.

A vida assusta. 
A vida de todo dia me intimida.
Revelo-me estrangeira em um mundo que nunca foi meu. 

Inconstante. Insone. Sem remissão de pecados.
Sem culpa. Sem crime. Anestesiada.
Vícios disfarçados de virtude.
Nada, nada, nada...

sábado, 27 de julho de 2019

NORMOSE

Há uma prostração generalizada nos últimos tempos,
Como já houve em tantas outras épocas.
Entretanto, agora parecemos termo-nos perdido
No entre-lugar da vida.

Não se pode confiar mais.
A justiça mordeu seu próprio pé.

Como viver em um canto
No qual nenhuma lei vá inocentá-lo?
Quando os chefes da justiça
Envolvidos estão em escândalos de injustiça,
A quem recorrer?

Acabaram os sonhos.
Perdeu-se a esperança.
Tudo parece muito surreal,
Mas não...
É fato.

E vivemos hoje uma espécie de torpor.
Embebidos de ópio do engodo.
Sem questionamentos,
Sem dúvidas,
Sem olhos.
Ser normal é isso,
Cegar para o real.



NADA

E havia uma criança perdida
Cá dentro lutando para fugir.
Sem sonhos nem metas.

Criança crescida..
Sonhou. Sonhou em que medida?
Setas muitas. 
Nenhuma direção acertada.

Foi-se o dia longo.
Acendeu-se a madrugada.

Os pensamentos pestilentos persistiram.
Não há nada. Nada.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

QUIMERA

A medida da vida é o tempo.
Quando se finda, finda-se.
Vida, vida, insana vida,
Em que manicômio me abandonaste?
O centauro me aguarda encilhado,
Unicórnios sorriem com minha chegada.

Os que me rodeiam pisam a lua,
Dormitam no paraíso,
Na encruzilhada do delírio.
Vivem altas mitologias
Como as do sino da catedral.
Quiçá tudo isso não fosse assim
Tão mau...

PARAFRASEANDO BRECHT

PRAZERES

O primeiro raio de sol rompendo a manhã
A flor seca no meio do livro antigo
Olhares cúmplices
Primavera, o colorido das flores
A poesia
O cão
O silêncio da madrugada
Banho, roupa limpa
Música antiga
Livrar-se do sapato apertado
Enxergar
Ler, escrever
Viajar, regar as plantas
Ser solidário.



sexta-feira, 28 de junho de 2019

HUMANO NÃO SER

Onde escondi meus segredos?
Em que sítio enterrado está o sossego?
Sem vocábulos que saibam expressar
O que dentro tem andado a espreitar.

Pobres rimas, rimas pobres.

Não é um buraco.
É fato.

Não é um momento.
É constância.

Não posso mais sonhar.
Nem me é permitido ser massa.
Não posso.

A desesperança me acompanha
Todo dia que cruzo com um ser da minha raça.

Comiseração nenhuma.
Só ódio se vislumbra nos olhares

Falas demais,
Ações de menos.

Desilusão ao saber-se humano,
Desses que perderam sua humanidade...
 

INSONE

Cães ladram ao longe,
Anunciando a passagem de outro insone.

Seria outro insone na busca do que perdeu?
Ou já marchando para sua lida diária?
Indagações apenas...

Cá novamente esse corpo desajustado
Com as horas. Noite virou dia.
O desalento para quando há sol,
Torna-se frescor na madrugada.

O silêncio inspira.
Desejo da noite:
Silêncio, silêncio, silêncio de gente.

Cães, grilos, sons quase inaudíveis
São o combustível 
Para uma centelha de palavra não dita.
 

TODOS URUBUS, NÓS...

"[...] AQUELES COM MAIS ESTÓRIAS DIÁRIAS PARA RECONTAR, NOS CONFINAVAM SUAS ESTÓRIAS DE TANTO MUNDO SERTÃO COMO DORES, COMO ESPÚRIAS, COMO DÓS. DIZER DA VERDADE É O CONFINAMENTO, O SACRAMENTO A QUE TODOS ESTAMOS SUJEITOS." Da  personagem TEAR do romance HABEAS ASAS, SERTÃO DE CÉU! p. 133


quinta-feira, 27 de junho de 2019

MADRUGADA

O sol dormiu há horas,
Luta agora contra o breu para voltar.

É "a hora das cinzas", do carvão.
Só negrume, escuridão.
O cri-cri-cri dos grilos solitários.
Que podem ser vários, mas não.

Algo acontece aqui dentro,
Lugar que tem preferido a madrugada.
Silêncio nas ruas.
Descanso nos lares.
Lapidação dos corpos.
Sem oferendas em altares.

Momento dos espíritos inquietos.
Hora tardia das almas cansadas.
Instante incerto das mazelas do dia.
Só a certeza de que tudo dará em nada.

Parte da cidade descansa.
Os garis não.
Ouço-os passarem na correria
De tirar a podridão humana das ruas.

Quiçá conseguissem limpar a putrefação
Cá dentro. Lá dentro.
Levarem todo lixo contido
Nas vias, ruelas, casas, senzalas
Das nossas cabeças.
Do humano que não se cansa
De ser podre.




quarta-feira, 26 de junho de 2019

DISPARIDADES


Você, luz,
Eu, escuridão.

Eu, ceticismo,

Você, religião.



Você, sol,

Eu, lua.

Eu, casa,

Você, rua.



Você, aproximação,

Eu, distanciamento.

Eu, fuga e solidão,

Você, gente aos montes, agrupamento.



Você, riso e simpatia,

Eu, tédio encolerizado.

Eu, silêncio, refúgio em mim,

Você, alegria, sonhos sem fim.



Eu, pura interrogação,

Você não se pergunta.

Eu, existencialismo,

Você, aceitação e comodismo.

Eu, ilha,
Você, continente.
Eu, filha,
Você, mãe, minha nascente. 

Amor sem fim, mãe...

terça-feira, 28 de maio de 2019

EXÍLIO

Foi febre?
Segredo.
Houve sonho?
Degredo.
Fato ou história?
Memória.
Auxílio oferecido?
Medo.
Medo.
Medo...
 

sexta-feira, 24 de maio de 2019

DA VIDA SÓ O QUE É

Não. 
Não é a morte que apavora.
É a vida.
Complexa, insana, cotidiana.

A vida que nos atrai tanto.

Vida louca.
Vasta vida.
Vida pouca.
Muita vida.

Vidas idas.
Vidas tronchas.
Vidas hipócritas.
Vidas tantas.

Vida de aparência.
Fachada de vida.
Vida dissimulada.
Por quem me tomas?






POÉTICO AGROTÓXICO

Estava lá o milagre da poesia.
O sol procurando espaço entre as nuvens.
Plantação a sumir de vista.
Rodovia. 
A tarde a espreitar.

O pequeno aeroplano cumprindo sua função.
Voos rasantes nas plantações.
Chegou a ser poética a cena,
Não fosse a morte anunciada
No conteúdo espalhado pelo ar.

SEM RISO

dói rir.
riso raso
riso nato

riso puro
riso sem rito
falho riso

riso de fato
sem máscaras.

onde?
o riso foi-se com a lamacenta graça.

preparada na ponta da agulha
a bala do riso

sem desejos, sem laços,
nenhum domínio
nem juízo.


sem ódio, sem ópio,
droga nenhuma

sequer pensamentos...

só isso.

INTERMITÊNCIAS

E há os hiatos.
Os interstícios aí estão.
Que meios de preenchê-los?

Fuga. Sem saída.
Nada a declarar,
Senão o vácuo das vidas vazias
Transeuntes, nauseabundas...