sábado, 21 de dezembro de 2013

Desesperança

Eu deixei que morresse em mim a esperança
Porque ela não era apenas uma palavra pronta, calada lá no fundo.
Era o que me movia
O que me fazia acreditar na vida.
16.06.07

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Tempo

Fizemos tudo certo
Foi o tempo que nos traiu.
O Ontem, o hoje, o amanhã.
O tempo, esse companheiro indesejado
Que costuma errar nas contas. 
Assassino de tudo o que poderia ter sido e não foi.
E nunca será...


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Visceral

Os sintomas insalubres alojados nas entranhas
Embora a epiderme insensível à vida.
Coração vazio... 
Entretanto "o coração, mesmo o humano, é apenas uma víscera".
Vísceras fabricam câncer, não amor...

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Testemunha ocular

Nada pude dar-te
Senão essas asas alquebradas
para alçares o voo falido de Ícaro.
De liberdade e de morte.
Voe, pois, voe.
Tão alto quanto possa.
Toque a lua cheia ou sangrenta.
Essa testemunha insensível de nossas noites
Que ora sorriam,
Ora choravam.
Noites quentes ou frias.
Animadas ou vazias.
Noites sós. 
Como nós...



sábado, 14 de dezembro de 2013

Mentiras

Resta-me apenas acreditar 
nas mentiras perfeitas que contei para mim

No desalentado despertar das horas insalubres.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Se esta rua fosse minha... I

              Estacou no meio da rua deserta. As mochilas escaparam lentamente de suas mãos e se debruçaram no asfalto quente da tarde. O sol ardia como se tivesse se aproximado muitas vezes da terra desde a última vez que estivera ali. Não gostava de dias ensolarados. Preferia o tempo em nuvens que escurece o dia. Lançou um longo olhar desesperado pelos arredores. O que viu foi o desconhecido. “O antigo só se torna estranho aos olhos de quem não mudou.” - pensou exaurida pela sensação de estar só no mundo.
           Guardava vivamente o quadro que na distante infância fora tão seu naquele mesmo lugar, agora roubado pelos tijolos cimentados das casas levantadas, predadoras, devorando a antiga paisagem.
            Havia décadas que daquele espaço, antes habitado pelos avós, seguiram junto ao cortejo fúnebre do avô, todos os seus sonhos da infância, a pequena visão de amazona menina, e da descomunal figueira adonada do imenso pátio, de onde saia o voo dos morcegos, sujando as paredes da casa grande com seus excrementos, anunciando a pintura que sempre estava por vir. Quiça tivessem ido também as reminiscências dolorosas, o lado obscuro de sua infância.
 Junto à mórbida esquife, caminhavam inúmeros passos desalentados e cabeças cheias de dúvidas, mas vazias de dor adulta, habitual nesses momentos.
            A preocupação dos filhos caminhantes durante o cortejo e o sepultamento rondava a questão urgente das finanças, e não ao que dizia respeito ao rumo que se perde na despedida de um ente querido. Só é notada a ausência de um idoso na família quando não se tem a quem pedir orientação, quando se percebe sem bússola. E aquele momento ainda não seria o caso.
           Cada um dos tantos filhos já alimentava, à beira do túmulo, seus planos com o parco dinheiro da herança, que embora não fosse o que os gostariam de receber, fez sobrarem desavenças, ambição, agressão física e verbal, e uma prevista separação entre os membros da família, antes unidos à mesa farta da casa do morto.
           Como não percebera, na sua ilusão de juventude, que naquela tarde seca e cinza, tudo em que acreditara até ali, fora sepultado com o corpo frio e inerte do avô que dominava a família com mãos de ferro?

            Ah, se essa rua fosse minha... Essa rua, que dos velhos tempos traz apenas o nome do avô numa placa quase imperceptível...

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces 
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinícius de Moraes

O que fazer quando o remédio para a ausência não há? 
Se não há remédio, veneno é o que há. Na alma...

Pequeno conto do cão só

               A noite enfiava os dedos pela tarde e começava a colorir o horizonte. Hora em que já se está cansado do dia todo de mazelas humanas e resolve se esconder por um tempo suficiente para voltar refeito e acariciado pela manhã.
            Como todos os dias, eu e meu cão caminhávamos distraidamente, não sem manter o passo firme e cadenciado sugerido pelo médico.
            Gostávamos, eu e ele, de caminhar pelos cantos mais recônditos da cidade. Assim como o sol, nos escondíamos de gente, pois passara o dia todo no insípido contato humano. Viajávamos cada qual na companhia distante do outro. Ele, preocupado com os cheiros tantos, os troncos a receberam sua demarcação de território, como se fosse possível ser dono de todos os sítios por onde se passa. Eu, em caminhar cada vez mais rápido para fazer valer o que a mídia vinha trazendo sobre os poderes benéficos de sair da vida sedentária na qual eu e mais da metade de brasileiros vivemos.
             Rua a atravessar. Freio de carro marcando com dor o asfalto. Grito... Grito? Meu. Um apenas. E meu cão cheirando o sangue que tingia o asfalto em todo vermelho de seu poder.