quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

HÁ TEMPO

Há tempos.

Há tempo de sair
E de chegar.
Encontro
E despedida.

Há tempo 
De gritar 
E de calar.

Tempo de repousar
Ou caminhar.

Tempo de ser
Ou de apenas estar.
Tempo de saber-se
E de estranhar a si mesmo.
E há o tempo de ansiar
E rejeitar.
Rejeitar o que não cabe mais
Nas caixas, fora delas
O que se crê normal.

Não há mais tempo. 

CALAR-SE

Cale-se. 
Ouça o que sua mente tem a dizer.
Saia dos outros para adentrar em si mesmo.

Só é possível com leveza...
Nada deve ser tão pesado 
Que não lhe permita 
Ser-se
Entender-se
Aceitar-se
Sonhar-se...

Cessem-se todos os barulhos.
Preciso ouvir-me.

Calo-me...
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terça-feira, 2 de outubro de 2018

REQUISITOS PARA SER UMA PESSOA "NORMAL"

Ter família;
Trabalhar;
Ser sociável;
Contrair matrimônio;
Permitir-se somente o legalizado;
Seguir regras;
Encabestrar-se;
Procriar;
Crer;
Alienar-se;
Cumprir deveres;
Não questionar direitos;
Não falar tudo o que pensa;
Andar com a massa;
Virar massa;
Ser massa;
Deixar que roubem todos os sonhos;
Morrer.
 

terça-feira, 28 de agosto de 2018

QUE POSSA A VIDA...

Que a vida me devolva...

A esperança na humanidade,
A crença na sociedade
A utopia na educação, 
O poder imaginário da oração,
O ânimo para a luta, 
O prazer da labuta,
A gentileza com o próximo,
O direito de viver no ócio,
As ideias transformadoras de outrora, 
O desejo de apreciar a aurora.

Que a vida de mim leve...

A fobia apavorante do futuro,
O desejo de eternizar o escuro,
As memórias tristes que não se apagam,
A fuga de mãos que afagam,
Os sintomas da desesperança,
A descrença em alianças,
O amargo da palavra implacável,
O fel do discurso imutável,
O desassossego que antecede a manhã,
Todos os medos e a febre terçã,
O direito de escolher a melhor sorte,
E decidir o dia e hora da minha morte.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

INSIGNIFICÂNCIA

Meu pensamento é um sarcófago...
Lacrado como deve ser,
Guarda a mumificação de sonhos meus.

Não haverá chuva ou lágrima que os traga de volta.
Caminho interdito, pois sem deus
Nada caberá ao futuro.

Sem soberania acima do humano
Descobre-se a fragilidade. 
A insignificância do ser.
O vazio. O zero.




sábado, 10 de março de 2018

PALAVRAS AO VENTO

"As palavras têm valor, o povo acredita nas palavras como deuses. Mas aprendi que as palavras só valem quando correspondem ao que se faz na prática." 
O NARRADOR - Mayombe - Pepetela

MUDAR O MUNDO

"Queremos transformar o mundo e somos incapazes de nos transformar a nós próprios. Queremos ser livres, fazer a nossa vontade e a todo momento arranjamos desculpas para reprimir os nossos desejos. E o pior é que nos convencemos com as nossas próprias desculpas, deixamos de ser lúcidos. Só covardia." Personagem Sem Medo - MAYOMBE - PEPETELA


quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

RETROVISOR

Onde a máquina me leva há tanto e tanto e tanto...
Para ver e ouvir e sentir.
Contudo só se obtém o desprendimento quando há liberdade de si mesmo
Alguns não conseguem viajar, sobretudo os oprimidos...
Não os escravos do mercado de trabalho,
Mas os oprimidos e opressores de si mesmos
Em nome de um sentimento nauseabundo e decadente.

Viajar requer desapego.
É aprender a deixar com os rastros da máquina
Quaisquer sintomas de realidade que possam ferir.
Despir-se um bocado do seu mundo,
Alçar voo, pegar estrada,
Caminhar novas trilhas
É curar-se de si mesmo.



Ps: Inspirada no tema inverso da música Retrovisor.


segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

PATACHO

Jamais soube por que sobrevivi, até então.
Nunca encontrei uma explicação para tamanha fortuna do destino comigo.
Naquele ano eu conheceria mais um estado no Nordeste. 

Tudo certo para a viagem. Planos aos montes.
Programa a quatro mãos amigas.
Mapa das praias. 
Pés atentos à possibilidade da areia.
Ânsia do cheiro do mar.

Mas naquela manhã tudo cessou por alguns segundos.
Esperança mitigando as mentes companheiras.
Nada de mar. Nenhuma brisa. Sonhos dissipados.

Não seria naquele ano a viagem. Nem no outro.
E eu não entendia a carícia do destino em mim.
Por que a vida me quis por mais tempo?
O que havia para ser feito ainda?
Por que fui poupada?
Jamais saberia, se não tivesse ido àquele lugar.
Finalmente, dois longos anos passados... 

Quando meus olhos pousaram naquele verde,
Ao sentir o cheiro da brisa. O sol.
Areia sob os pés. Os coqueiros. 
Meus olhos descansados na paisagem...
O mar, o sol, a areia, os coqueiros.
Eles de novo e de novo.
E meus olhos e o mar e o sol e a areia e os coqueiros
E os olhos e...

Os olhos assentados ali e a clarividência.
Era só isso: algo no universo me deu a chance.
Eu vivi para ver. Vivi para que meus olhos se deliciassem
Com o espetáculo do mundo:
O paraíso. Eu vi o paraíso.
Agora já posso morrer...

DO MAR...

"A imensidão do mar que nada pode modificar 
ensinou-me a paciência.
O mar une, o mar estreita, o mar liga. 
[...] 
eu, ladrão, marinheiro, contrabandista, guerrilheiro, 
sempre à margem de tudo
mas não é a praia uma margem?"
Personagem Mautiânvua
MAYOMBE - PEPETELA
Óh, mar, ensina-me a paciência...

PONTUAÇÃO

Escrever é preciso,
Pontuar também.
Escreva, pontue, leia. 
Escreva, pontue, leia...

Era isso que queria dizer?
Sim, Não. Não era.
Nunca se diz o que realmente se deseja.
Há sempre algo que permanece enroscado na garganta.
Gritos. Palavrões. Pseudorrazões. 
Palavras. Palavras. Palavras.
Vírgulas. Reticências. Pontos finais.

Exclame. Interrogue. Cite.
Cite o que não é seu.
"O problema da solidão
é que não temos a quem mentir."
Mentir para o outro é tantas vezes mais atraente
que mentir a si mesmo.
Mas pontue sempre,
mesmo que com reticências.

Pontue como fazemos com a vida, não raro.
Momentos de pausa.
Assuntos  irresolutos.
Tempos de falar. Ou calar-se.
Questionar. Responder.
Admirar-se. Exclamar...
Explicar. Mentir, omitir. 
Deixar algo, esquecer... Ou tentar.

Escrever é preciso! Pontuar também.