quarta-feira, 26 de março de 2014

Hoje

Hoje, não outro dia, tinha que ser.
O presente é agora.

Sem histórias para contar.
Não há mais alimento no passado
A fome não espera.

O futuro é um tempo que ainda não foi conjugado.

Portanto hoje, não outro dia, tinha que ser.


Sem cura

Respeite-me!
Não vê que estou em convalescença?
Não sente que ficou em suas unhas ensanguentadas
A pele que arrancastes desta carne enferma?

Deixe-me!
Não percebe que em suas mãos está o relógio?
Não nota o tempo escorrendo pelos dedos
Avisando que a hora se foi?

Solte-me!
Não compreende o que se perpetua neste corpo vão?
Não entende que a cruz cá tatuada
Já desbotou?

Abandone-me!
Não sofre esta convalescença?
Não saberá nunca o que é a dor
Dessa doença alcunhada de vida?

É a convalescença de uma doença sem cura.







segunda-feira, 24 de março de 2014

Muda vida

A vida muda.
Ah, vida muda.
Muda vida.

Silêncio na caixinha de música.

Até os beija-flores silenciam
Ao notarem
A inutilidade desta poesia.
Só o beija-flor consegue ser belo
quando saqueia.
Saque doce e silencioso, 
análogo a uma suave e tranquila melodia.
Leve como poderia ser o dia.

Inútil, a muda vida vazia.
Vida vazia e muda.

Apenas poesia não muda. 

Conto: A Pequena Princesa



Era uma vez uma menina só e estranha. Tão só que às vezes não tinha sequer sua própria companhia. Mas não estranhava. Estranha menina. Não era só, porque pessoas não a rodeavam. Era só porque não gostava de presenças, sobretudo, as humanas. Menina esquisita aquela, carregava sempre nas mãos um exemplar do livro O Pequeno Príncipe. Olhava o mundo e não o via. Não o via, não porque ele não existia, mas porque não cabia no tamanho que ele se fizera. Pensava não estar só porque tinha o livro. Isolava-se frequentemente. Saía para caminhar pela trilha em uma mata nas proximidades de sua casa só. Caminhava, caminhava. Ouvia pássaros, folhas caindo, o farfalhar das árvores ao sabor do vento brando, lagartos que passavam apressados de um lado a outro da trilha. E caminhava mais e adentrava a mata e fugia do mundo. Gostava de adentrar lugares em que pés humanos não mais pisavam. O mundo estava ocupado demais com as máscaras que cada um criou para si.
Certa vez, em uma de suas longas caminhadas só, deparou-se com uma serpente a atrapalhar-lhe o caminho. Sossegadamente, a rastejante pôs-se atravessada na trilha. A menina só e estranha parou e estranhou. Nunca tinha visto uma daquela por ali. Observou-a longamente, aguardando que saísse do seu caminho. Porém a peçonhenta ficou, sem esboçar pressa, imóvel. Não fez menção de sair. A menina pensou em voltar. Não voltou. Pegou um galho para espantar o bicho. Mas teve medo de se aproximar muito. A cobra continuou estática. A menina fixou o olhar nela. Era grande. Não grande o bastante para travar uma luta com a menina. Mas tinha veneno. Letal. A menina, só. Não podia tentar passar. Recebeu o olhar de volta, arrepiou-se, pois parecia ver-se nos olhos do animal, entretanto aproveitou para iniciar um apelo gaguejante:
- A senhora me concede a licença de passar?
- Por que eu deveria deixá-la passar?
- Porque quero adentrar a mata.
- Para fazer o quê?
- Para pensar, ouvir os pássaros, as folhas, o vento, ler meu livro...
A cobra fitou a menina com curiosidade e em silêncio por alguns minutos. Admitiu para si que a pequena era ousada.
- E pensar, ler, ouvir a natureza longe dos seus? Por que não volta para o mundo de lá?
- Não gosto. Não consigo ser eu quando estou com eles.
- E aqui você é?
A menina só pensou por um segundo, ajeitou os cabelos, timidamente.
- Sim. Sou. Só consigo ser eu mesma quando estou sozinha.
- Mas agora você não está sozinha. E vocês, humanos não conseguem ser vocês mesmos, nem quando ficam sós. – argumentou a cobra.
- Quando só sou eu para mim. Estou só sim. Você não é gente.
- Mas estou viva. Percebe? Posso me mexer, rastejo por onde quero. Sou mais livre que você. Mais só. Mas existo. E se pensa que está sozinha, por que não passa por mim e vai embora?
A menina pensou, pensou.
- Porque se eu passar, você me picará.
- Não picarei. Passe. – e saiu da trilha, ficando à beira – Palavra de honra, não lhe farei mal. Passe!
- Não confio em você. Todos falam que a sua raça é traiçoeira. Ouço muito histórias suas.
- Que menina interessante que você é. Não gosta de estar entre os seus, mas acredita nas palavras deles. Desta maneira poderá ir em paz. Não será responsável por mim e pela minha solidão, pois não me cativou.
- Não é isso! Não acredito no que dizem. Mas tenho medo de você.
- Bem típico da sua espécie, não é? Que raça que não se pode confiar. Julgam os outros, sem antes conhecer de verdade. Acreditam em histórias recheadas de sandices que se pregam por milênios. Não suportam um ao outro, tanto que inventam artimanhas para se falar sem a presença física. Fingem ser o que não são o tempo todo. Você deve mesmo confiar nos seus. São iguais.
- Não! – retrucou a menina – Não sou igual aos outros. Sou muito diferente. Sou só. Sou só até de mim. Mas posso criar um mundo para mim. Posso ser a princesa do meu mundo, se eu quiser.
- Então você não precisa ter medo de mim, princesa. Também sou só, embora os humanos me incluam sempre nas histórias do seu mundo. “É este tempo que tem dedicado a mim que me fará importante” agora. Pode passar!
- Mas... Mas foi uma igual a você que matou o Pequeno Príncipe.
- Oh, deuses!!! Novamente aparecem os únicos seres racionais do planeta terra para culpar quem não pode se defender no mundo humano. Sentem-se mesmo muito superiores, não é?
- Porque somos, oras. Somos racionais e...
Foi interrompida:
- É mesmo um vício, as historinhas são recontadas como uma maneira de eximir a culpa humana na vida. Certamente você também deve acreditar que foi uma da minha espécie que trouxe o pecado ao mundo, tentando a mulher no paraíso... – e deu um sorriso serpentemente irônico.
A menina a olhava e refletia. "E não foi?" - pensou. Tentou balbuciar uma desculpa que não vinha à mente, mas a serpente continuou:
- Cabe lembrá-la de que o Pequeno Príncipe queria voltar ao seu planeta. Recebeu ajuda. Morreu em corpo para conseguir ir embora daqui. E se isso a assusta, posso assegurar-lhe que seus semelhantes matam muito mais uns aos outros todos os dias. Contudo não matam para se alimentar, ajudar ou se defender apenas, mas por vingança, ódio, inveja, traição, egoísmo. Eis a grande diferença! – lançou um olhar cansado para a menina. - Mas lembre-se: “Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, mas não vai só nem nos deixa sós.”. Nenhuma de nós seremos as mesmas a partir de hoje. Pode passar. Vou-me embora porque não irá entender nunca. “O essencial é invisível aos olhos.” Você não conseguirá enxergar – e foi rastejando de mansinho para a mata, deixando a trilha livre - Vá e passarei a aguardá-la para que possamos conversar todos os dias.
A menina estranha e só sentiu-se mais só do que nunca havia sentido. Temeu que a cobra não voltasse. Foi a única vez que sentiu medo. Medo de ser só e estranha:
- Não vá, por favor, senhora serpente. Fique! É a primeira vez na vida que não desejo ficar só. Fique e faça-me o favor que aquela da sua espécie fez ao Pequeno Príncipe...




Náusea

Não. Eu não dormi como o previsto.
Nada de entrar no mundo inconsciente
Livrar-me do fardo de ser humana
E sonhar.

Não. Eu não ouvi a chuva com encanto.
Caiu-me molhada e pesadamente.
Saqueou de mim
A alegria de ser livre nos sonhos.

Não. Eu não dormi como o previsto.
Nada de fugir da náusea
Que consome as entranhas obscuras da mente
Matando-me silenciosamente
E aos poucos.

terça-feira, 18 de março de 2014

Sonhar é preciso

O caminhão devora o asfalto
Menina na carroceria
Cabelos ao sabor do vento
Olhar distraído ao que passa depressa demais.
Árvores correm num agito desconcertado do tempo
Fios se perdem no horizonte.

A menina só queria viajar.
A estrada é curta demais
Para caberem todos os sonhos.
Mas sonhar é preciso.
"Viver não é preciso."

segunda-feira, 17 de março de 2014

Talvez...

Talvez tenham faltado as palavras exatas
No momento oportuno.
Talvez tenhamos nos precipitado
Em colher o que não havia vingado.
Talvez o acaso só tenha nos testado
Para saber o quanto aguentamos.
Talvez tenhamos visto sombras
Onde poderia ser só luz.
Talvez o inverso também aconteceu.
Talvez sejamos o simulacro de algo que nem sabemos.

Talvez habitantes de outros planetas

Tenham assistido de camarote ao show da vida na terra.
E riram e se divertiram, mas desistiram de nos visitar.


Talvez isso, talvez aquilo.

Talvez seus olhos, talvez os meus.
Talvez nenhum. 
Nenhum deleite.
Nenhuma sobra. 
Nada de sonhos.
Nada de brisa.
Só breu.
Talvez...




domingo, 16 de março de 2014

Voo de Ícaro

Noites insones
Dias sem brilho
Crise no mundo cá dentro.
Sempre à beira do abismo
E, sobretudo, prestes a alçar voo.

Mas voar com quais asas
Se nos roubaram lá na infância
O sonho de Ícaro?

Sonhos

[...] nós temos olhos que se abrem para dentro, 

esses que usamos para ver os sonhos...
Os sonhos são o que nos mantêm ainda vivos.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Conto: OFFLINE

Dia nenhum. Maria Sicrana, 40, brasileira, escritora, cansada de guerra, da luta vã com as palavras, com o público que não a entende mais, da vida desgastada pelos papéis que se juntam a sua frente, cheios de uma escrita para ninguém. Maria Sicrana precisa de mote. Acorda naquele dia pronta para perpetrar um crime. Só assim encontraria a vida que há tanto perdera. “Chega o momento em que a imagem de nossa vida se separa da própria vida, torna-se independente e, pouco a pouco, começa a nos dominar.”
Dia um. Maria sai de casa cedo, decidida a viver intensamente os próximos dias. Observa de longe uma lan house. Estaciona a alguns quarteirões. Vai a pé até o local. Entra no ambiente envolto em leve penumbra, com cheiro putrefato comum de humanos descuidados de higiene e tomado pela fumaça de cigarros dos usuários que fumam encostados na porta de entrada. Ela entra enojada. Solicita uma máquina, senta-se e começa sua busca por alguém que estivesse disposto a cometer um crime em troca de quantia razoável do vil metal que guardara em sua carreira agora apagada. Como é de costume dos que não querem ser reconhecidos, cria um perfil falso numa rede social. Lembra-se de Antônio, colega de escola que na sua longínqua infância causava medo nos colegas por ser um grosseiro que cuspia a palavra arma a todos que o olhavam por mais de alguns segundos. Antônio Fulano era temido por todos do colégio. Mesmo os professores e inspetores o tratavam com certo receio, tentando não avivar a fúria que possivelmente vivia naquele corpo grande de menino que estava fora de sua faixa etária na escola. Maria Sicrana o encontra na rede, envia um convite e volta para casa. O plano iniciara bem, embora tivesse gasto muito tempo em busca do homem que precisava. O que planejara, carecia de tempo e paciência. Tinha tempo. E talvez não possuísse a paciência dos que ajudam necessitados, mas a de quem quer sair ilesa de um crime sonhado perfeito. Volta satisfeita para casa. Porém, ansiava pela resposta.
Dia dois. Maria aguarda um dia inteiro para ir só à noite à procura de outra lan house com o intuito de saber se fora aceita. Solicita uma máquina. As mãos estão geladas e trêmulas. Quando abre seu perfil está lá. Antônio era agora seu amigo virtual. Ele estava online. Apresentou-se para ele como Maria Beltrano, brasileira à procura de amigos. Conversaram longamente. E melhor, descobriu que ele se casara, mas algo deu errado e abandonou a esposa e filhos. Perfeito! Antônio vivia sozinho, num bairro de classe baixa da cidade, trabalhava como ajudante de mecânico numa oficina de pouco nome. Adquiriu a confiança dele, fazendo-se de boa gente, que poderia ser de fato, quem sabe. Antônio insistiu em conhecê-la. Ela se esquivou. Não podia. Ela tinha uma proposta para ele, mas só diria no outro dia. Marcou horário à noite na rede. Saiu da máquina e foi para casa.
Dia três. Maria adiantou o assunto que a levara a procurar por alguém anônimo. Não há por que prolongar dores de quem tem o remédio acessível. Disse que procurava alguém que fosse corajoso o bastante para matar uma mulher e que pagaria bem. Silêncio do outro lado da rede. Sumiu o homem.
Dia quatro. Maria foi a outra lan house no horário da noite anterior. Solicitou a máquina. Entrou em seu perfil. Nada de ele aparecer.
Dia cinco. Nenhum Antônio que surgira mais. Ela começou a se irritar. Ficou horas a fio diante daquele computador depauperado. “Ele vai voltar” – pensou, tentando acalmar a si mesma. “Dinheiro cheira bem quando a vida nos nega privilégios. Amanhã quem sabe.” Maria sabia que Antônio sentia-se cansado daquela miséria de vida: sair da oficina, passar de vez em quando na lan house para fugir um pouco da dureza do cotidiano, tomar um trago e dormir sozinho no cômodo puído que dissera viver.
Dia seis. Outra casa de máquinas, ela o viu online:
_ Estava esperando por você.
_ Não vê que minha vida já é por demais seca de alegrias para trazer-me ainda sangue nas mãos?
_ Você não a conhece, Antônio. Nem a mim conhecerá. É seguro. Eu não o verei nunca também. Preciso que faça isso por mim, pois se for eu, desconfiarão. Não lhe custará nada. Ela precisa morrer. Já prejudicou demais minha vida.
_ Não posso! – foi-se.
Dia sete. Assim que entrou, apareceu em sua tela: “Eu nem tenho arma...”. Era a hora. Sabia que ele iria cometer o crime. Pediu que voltasse no outro dia, pois ela diria onde estava a arma que seria usada, um pouco do dinheiro e identificação da vítima.
Dia oito. Na lan house, falou rapidamente com o assassino, explicou-lhe que a arma estava ao pé de uma árvore próxima a determinado lugar. Havia ainda uma foto da vítima e o endereço para ele começar a observá-la de dia, já que ela não costumava sair com frequência à noite. Levou também um envelope com boa parte do dinheiro para que ele se convencesse de que, ao contrário do que dizem por aí, o crime valeria a pena. Havia tanto dinheiro que ele não resistiria e afinal perceberia que uma vida não vale ser refletida. Saiu dali, depositou os objetos no local que havia combinado e foi para o carro a passos largos. Rapidamente, rumou ao endereço deixado para Antônio, e de longe, embaixo de uma grande árvore com seus braços estendendo a sombra para protegê-la do olhar dele, ficou à espreita, na certeza de que ele iria ainda naquela noite observar a casa. Muito tempo depois, viu quando Antônio passou pela calçada olhando indisfarçadamente, já que estava tudo apagado e não havia movimento na rua. Não carregava nada nas mãos, provavelmente ele tivesse guardado tudo em algum local seguro antes de vir, por isso a demora. Suas mãos estavam trêmulas e suavam. Talvez o assassino também estivesse agora com a mesma sensação. Maria refletiu sobre a vida. Disse a si mesma que realmente a vida é breve demais, barata em demasia, e como lera certa vez num livro, “a unidade da humanidade significa: ninguém pode escapar em lugar nenhum.” Não sabia ao certo se esta sentença cabia àquela situação, mas achou propícia. Não há como fugir à morte. À vida sim. Sentiu uma leve tontura ao vê-lo desaparecer na penumbra da noite, para o outro lado da rua. Lembrou-se de que “[...] a vertigem é a embriaguez causada pela nossa própria fraqueza.”
Dia nove. Antônio não apareceu online. “Aquele estúpido terá desistido? Não. Ele vai querer mais dinheiro”. Resolveu passar pela rua da casa da vítima. Quando estava se aproximando, viu que o homem perambulava pela calçada da casa. “Idiota! Ele deveria estar falando comigo agora...” Passou por ele sem levantar suspeitas. Estacionou o carro longe. Apagou os faróis. Olhava pelo retrovisor. Aguardou até que ele desaparecesse na escuridão da noite, tentando sufocar o tremor que tomou conta do corpo todo. Pensou no livro que lera: “Qualquer homem é fraco quando se vê diante de uma força superior.” Ele agora se tornara um deus. Capaz de tirar uma vida quando quisesse. Carregava o metal pesado na cintura disfarçado pela camisa folgada. Deveria estar confiante.
Dia dez. Ele voltou a ficar online e ela perguntou se já tinha visto a mulher. Antônio respondeu que não: “Acho que essa pessoa não sai de dia, e à noite está sempre tudo apagado...”. Maria pediu a ele que se acalmasse e que não fosse à noite observar, pois os vizinhos poderiam desconfiar. Avisou-lhe que havia outra quantia do dinheiro em determinado lugar. Despediu-se, saiu daquele ambiente sombrio com cheiro de mofo e foi deixar o dinheiro no local combinado. Cuidava para depositar o pacote sempre perto dos lugares em que estava teclando.
Dia onze. O homem começou a ficar ansioso, queria acabar logo com aquilo, pegar o resto da grana e não voltar a falar com ela: “Não quero ser escravo de ninguém. Preciso pagar o que devo.”
Dia doze. Finalmente a noite escolhida cuidadosamente por Maria chegara, deu o aval. “Será amanhã e você não me deverá mais nada.” Pediu a Antônio que pegasse o pacote com o dinheiro no lugar que ela diria, uma cópia da chave da casa da mulher, e assegurou que ele poderia entrar e matá-la depois da meia-noite sem transtornos. Havia silenciador na arma. Não haveria ninguém além da vítima. Tudo muito seguro. Despediu-se. Agradeceu ao assassino, deixou o envelope e voltou para casa. Ninguém desconfiaria dela. Rememorou: “É preciso várias vidas para fazer uma só pessoa.” Morrer é tão natural quanto nascer ou viver. Daria um bom livro, pensou ela. “Talvez meus leitores gostassem da história. Nem sei se gostariam. Essas personagens são reais e eles só querem o imaginário, o ilusório, o fictício. Interessa-lhes somente o que não existe de fato. A mentira é atraente.”
Dia treze. Lua cheia espreitando a terra. “O destino nos vampiriza, nos pesa, é como uma bola de ferro amarrada aos nossos tornozelos.” O destino de Antônio e da vítima estavam pactuados. Nenhum sobreviveria ileso. Antônio passou pela calçada da residência à meia-noite e meia. Não havia ninguém pelas redondezas. Com uma luva nas mãos, pôs a chave na porta lentamente e entrou com todo cuidado para não derrubar nada que pudesse acordar a mulher. A claridade da lua invadia a casa possibilitando ao matador caminhar sem perigo. Com passos lentos, mas nervosos passou pela sala, adentrou o corredor que dava direto para a única porta fechada: “Devia ser o quarto...”. Abriu silenciosamente a porta e viu na cama a mulher que lhe proporcionara um dinheiro que o tiraria daquele chiqueiro em que vivia. Apertou o gatilho. Ela gritou: “Antônio”. Assustado, atirou mais três vezes. Saiu correndo. “Essa maldita sabia meu nome!!!” Desapareceu sob o olhar indignado da lua, jogou a arma num riacho por onde passou. Chegou em casa,  tomou um largo trago: “Que vida desgraçada, meu Deus.”



Algumas citações do livro A Arte do Romance de Milan Kundera

Noite

É que às vezes a noite é longa demais...
Observo as estrelas
timidamente escondidas
entre uma nuvem e outra.

Elas não me veem.
Não sabem de mim.
Sou uma gota neste oceano de gentes.

Perambulantes assombrados
com o que lhes reserva
o amanhã...

segunda-feira, 3 de março de 2014

Palavras

Entre o dito e o não dito
Faltaram palavras que tivessem 
a materialização do sentido.
As palavras foram esnobes
Quando precisávamos delas
Para explicarmo-nos a nós mesmos...

Sem razão

            "Deveria ser fácil compreender os sentimentos uma vez que os experimentamos infinitas vezes", assegurou o professor Dante.
               O problema é que infinitas vezes sofremos ou nos alegramos com esses sentimentos como se os tivéssemos percebido pela primeira vez.
               Parece uma infinda escola, essa vida, que leva e traz todas as frustrações e/ou alegrias o tempo todo, feito as ondas quem vêm à praia, lambem-na sem pedir licença, depois voltam para seu recôndito silencioso e profundo, sorrateiramente...