sábado, 7 de dezembro de 2013

Se esta rua fosse minha... I

              Estacou no meio da rua deserta. As mochilas escaparam lentamente de suas mãos e se debruçaram no asfalto quente da tarde. O sol ardia como se tivesse se aproximado muitas vezes da terra desde a última vez que estivera ali. Não gostava de dias ensolarados. Preferia o tempo em nuvens que escurece o dia. Lançou um longo olhar desesperado pelos arredores. O que viu foi o desconhecido. “O antigo só se torna estranho aos olhos de quem não mudou.” - pensou exaurida pela sensação de estar só no mundo.
           Guardava vivamente o quadro que na distante infância fora tão seu naquele mesmo lugar, agora roubado pelos tijolos cimentados das casas levantadas, predadoras, devorando a antiga paisagem.
            Havia décadas que daquele espaço, antes habitado pelos avós, seguiram junto ao cortejo fúnebre do avô, todos os seus sonhos da infância, a pequena visão de amazona menina, e da descomunal figueira adonada do imenso pátio, de onde saia o voo dos morcegos, sujando as paredes da casa grande com seus excrementos, anunciando a pintura que sempre estava por vir. Quiça tivessem ido também as reminiscências dolorosas, o lado obscuro de sua infância.
 Junto à mórbida esquife, caminhavam inúmeros passos desalentados e cabeças cheias de dúvidas, mas vazias de dor adulta, habitual nesses momentos.
            A preocupação dos filhos caminhantes durante o cortejo e o sepultamento rondava a questão urgente das finanças, e não ao que dizia respeito ao rumo que se perde na despedida de um ente querido. Só é notada a ausência de um idoso na família quando não se tem a quem pedir orientação, quando se percebe sem bússola. E aquele momento ainda não seria o caso.
           Cada um dos tantos filhos já alimentava, à beira do túmulo, seus planos com o parco dinheiro da herança, que embora não fosse o que os gostariam de receber, fez sobrarem desavenças, ambição, agressão física e verbal, e uma prevista separação entre os membros da família, antes unidos à mesa farta da casa do morto.
           Como não percebera, na sua ilusão de juventude, que naquela tarde seca e cinza, tudo em que acreditara até ali, fora sepultado com o corpo frio e inerte do avô que dominava a família com mãos de ferro?

            Ah, se essa rua fosse minha... Essa rua, que dos velhos tempos traz apenas o nome do avô numa placa quase imperceptível...

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