A vida esvaiu-se
do corpo.
Resta a carne,
Futura putrefação
Vermes, cinzas...
Morte é poesia.
Poesia, poesia...
Tanto faz
Se hoje você virá ou não.
Tanto faz...
A probabilidade de que se suje
na chegada é grande.
Como sujou-se na hora da saída.
Banco de dados
Informação.
Banco de pedra
Descanso.
Banco de dinheiro
Furto.
Banco de areia
Turismo.
Naquele banco de madeira
Ficaram nossos sonhos.
Como nos corpos cansados
Dizendo adeus.
Sentados e carentes
De alento de algo
Que nunca soubemos o quê.
"A infância é um chão que a gente pisa a vida inteira." Ariane Osshiro
Curto tempo da vida
E crucial, a infância!
Alguns, só amores
Para tantos, dissabores.
E outros, muita violência, atrocidades.
Em alguma medida
As pisadas na infância
Nos são inevitáveis.
Desde o fim até o começo
Das insanidades todas
Ou sensatezes.
Há razão nos desatinos.
Álibis infantis
Que faz de cada ser
Um criminoso inocente.
Oh, deus dos desgraçados ambiciosos
Fazei com que chova para o meu pai.
Mesmo que ele negue o aquecimento.
Ainda que creia que toda essa secura e calor intenso
Sejam tuas palavras apocalípticas se cumprindo na terra.
Embora ele não tenha consciência do mal
Que o ser humano tem causado a si próprio
Chova para ele, por favor...
Perdoe-me o egoísmo de rogar
Apenas pelo pedaço de chão do meu pai.
Mas causa enfado ouvi-lo
Clamando o teu nome o dia inteiro,
Como se fosse de verdade a tua existência.
Onde estás, se não aqui,
nem nas guerras
que dizimam inocentes?
Na cabecinha branca de meu pai, e só?
Não assumo os pecados
Nem meus nem de ninguém.
Não sou santo
Tampouco canonizado.
Não peco, nunca pequei
Não pecarei.
Pecado é cristão
E não o sou.
Assumo erros.
Erros crassos
Erros tantos
Milhares deles.
Falhas, deslizes, imperfeições
Com todos eu arco.
E pago.
Sempre paguei.
Caro!
Culpa? Culpa não.
Maldita culpa cristã...
Dessa não consegui alforria.
21/11/2023
A vida é um mosaico
Cacos encaixados em frestas no chão.
Coloridas borboletas rodeantes num jardim....
Dúvida de morte dia sim, dia sim.
Outro dia também.
Não há não na dúvida de morte.
A cada um segue acesa a vela da sorte.
estou cansada...
não triste, mas cansada, como disse a clarice.
cansada das normas, das etiquetas,
das cerimônias, de leis decorativas,
da boa conduta, da ordem,
das ordens.
cansada de repetir aos pupilos
a letra maiúscula do início das frases.
Dói-me a vida
Como um punhal cravado no ventre.
Chove em mim a vida
Como no deserto a areia quente.
A vida se tranca
Como um parto que não quer ser.
Olha a vida atenta
Como a coruja ao anoitecer.
A vida paira
Sobre as mentiras que nos contamos.
O sonho surge
Tal qual um fantasma que quer voltar ao corpo.
O pesadelo assusta, como a vida efêmera
Que não nos promete alegria nenhuma...
Novos silêncios...
Nada de novo no reino da comunicação,
que não sejam as palavras não ditas
as mal ditas, as malditas.
Ouçamos, pois, somente o silêncio.
Sem perdas, nem danos...
Não pertenço mais.
Dirigi-me ao banco para sacar o resto que ainda havia. Estava quase vazio. Uns dois caixas eletrônicos ocupados e eu. Fiquei a matutar que a crise no país estava realmente fora de controle. Difícil não encontrar fila no banco, mas havia tempo eu não o frequentava, pois meus bolsos também reconheceram a crise.
Entrou um homem alto, barba cerrada, vestido em um esporte fino impecável. Nossos olhares se cruzaram, era um jovem rapaz, notei. Mas rapidamente voltei o olhar para o caixa, na esperança de que esse não me trairia e cuspiria algumas notas que me garantissem a noite.
O homem pôs-se diante do caixa ao lado. Percebi que estava com certa dificuldade de manusear o cartão, mas não ofereci ajuda. Ele que pedisse, se quisesse. Um rapaz tão jovem e desconhecido dessas tecnologias? Estranhei.
Mas creio que logo se entendeu com a máquina, pois quando me virei para sair, deparei-me com a cena mais grotesca já contemplada pelos meus olhos. Estaquei apavorada, sem voz, sem chão, sem rumo, sem ideia do que aquilo significava. Ele segurava um dedo, que não era seu, no leitor digital do caixa.
Olhou-me indiscretamente. Viu minha estupefação. Mostrou-me o dedo ensanguentado de alguém e, com um risinho de canto, disse-me apenas:
-- Ela não pôde vir...
Que irônica a vida!
Recebe uma, duas, três chances
E ainda assim não se sente completa.
Por isso a necessidade de sua antagonista,
A irremediável...
Nada há de especial, só trinta entre milhares...
Nem um fato novo na primeira quinzena de janeiro
A não ser a triste coincidência
Da asfixia no "pulmão do mundo".
Nascemos feitos de carne, não de esperança.
Pequeno pedaço de carne, sem consciência.
Esperança de outros.
Outros que não conseguiram...
E...?
Sonham para "aquilo"
Os sonhos todos que não puderam sonhar.
Túmulo. Cárcere.
Ásperos sábados.
Hóspedes pandêmicos.
Córregos de lágrimas.
Íntimas catástrofes.
Cânticos fúnebres.
Pânico efêmero.
Rápido relâmpago.
Súbito trânsito.
Última sátira.
Sólidas proparoxítonas.
Não cabem nesse poema
As dores todas.
Os sonhos idos.
Os caixões lacrados.
Enterros noturnos.
Não cabem.