domingo, 1 de março de 2015

DE PACTOS

Quando criança, um amiguinho me contou a mirabolante história de um tio que fez pacto com o diabo. Confesso que na cabecinha ingênua da criança que acreditava em tudo, isso me perturbou por longos anos. Ele disse que o tio teve tudo o que quis na vida: dinheiro, mulheres, poder sobre o outro, mas além da alma que vendeu, pagou com um câncer horrível que o tomou nos últimos anos de vida e o fez definhar aos poucos até sucumbir. Foi meu primeiro contato com histórias sobre o pacto com o diabo. Que horror, pensava eu menininha. Como alguém troca sua alma com um ser tão maléfico??? Morrer sofrendo com uma doença tão horrível e ter a alma destinada ao mais profundo inferno!!!
Entretanto, meu avô foi tomado também por um câncer que o matou lentamente com muito sofrimento, e nunca soube de ele ter feito algum pacto com o diabo...
E talvez não devêssemos entrar em meandros de tantas mazelas humanas sem pacto algum...
O que ganham em vida??? Sofrimento e sofrimento.
Mas, aguardemos que o povo que fez pacto com deus, ao lado de Moisés, ressuscite após sabe-se lá quantos mil anos para ter direito à vida eterna e contar ao mundo como é um pacto com o supremo. Devem estar cansados de descansar e esperar... Eu estaria.
O mundo da Literatura proporcionou-me mais histórias não menos horrendas sobre o tema. No romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, o protagonista Riobaldo, que fez o pacto com o diabo, perde o grande amor de sua vida, Diadorim, como pagamento. Alto preço. Entretanto, Riobaldo teve muitas terras, dinheiro, foi o líder poderoso de seu bando de jagunços, venceu o inimigo. Depois disso viveu sossegadamente, não fosse a perda inestimável do grande amor de sua vida, que morreu na peleja. É Riobaldo, já na melhor idade, quem conta sua própria história, infere-se, portanto, que viveu muito.
No romance Rio abaixo dos vaqueiros, de Ricardo Guilherme Dicke, há também o tema do pacto. A personagem Homem o fez Crudelíssimo!!! Teve também muito poder, dinheiro, terras, fama de mau pelas redondezas. Era temido. Comprava meninas para vê-las crescer sob seus olhos famintos para mais tarde deflorá-las. Viveu muito, cometendo suas insanidades, aprovado pelo diabo e, de certa forma, por deus. Esses permitiam que quaisquer pessoas non gratas por ele, bem como as meninas compradas, sofressem demasiadamente. A personagem Velho, no mesmo romance, inimigo do Homem, também fez o pacto. É ele quem consegue salvar algumas pessoas das mãos pesadas do outro. Intrigante! Sua alma pertencia ao diabo, contudo era benevolente com inúmeras pessoas.
A ficção traz o mito do pacto com tanta perfeição que parece ser real, uma vez que eram tantas as histórias parecidas sobre o tema que ouvi durante a vida.
Cabem aqui algumas perguntas: Quem passa incólume por essa vida? Quem não perde o amor de sua vida ou entes amados?Quem morre na felicidade absoluta de cruzar a linha da morte, se não os suicidas ou os que acreditam que irão para um paraíso? Cá entre nós, um céu, cujo azul não existe, uma vez que o universo é um imenso infinito. O que dizer das meninas nigerianas que foram sequestradas, das quais não se ouve mais falar? E se pensarmos em todas as pessoas que neste exato momento em que elucubro sobre o assunto, estão sendo aterrorizadas por algum tipo de violência ou medo ou fome ao redor do mundo? Quem garante que aqui ao meu lado, na vizinhança, não esteja ocorrendo alguma atrocidade cometida pelo ser humano? Todas essas vítimas têm pacto com quem? E os algozes? Os que possuem poder sobre o outro, quaisquer que sejam eles, também pactuaram? Que deus ou que diabo lhes deu o direito de serem cruéis com seus semelhantes?
Vejo sim vantagem no mito do pacto com o diabo, pois há uma perda ou duas, no máximo, entretanto goza-se a vida. Ah, se o diabo existisse...
E na verdade existe sim um deus e um diabo, aqueles que residem dentro de todo ser humano e nos faz lembrar da história dos lobos, o mau e o bom. Vence quem você alimentar mais.



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