quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A viagem do mendigo


     
                      Era um ser quase invisível, não fosse o cheiro putrefato que exalava.
         Ali estava entre os passageiros daquele trem um mendigo sujo, fétido, incomodando pelo odor aos que o rodeavam.
Sentado perto da porta, a qual devia conhecer bem, pois todas as estações por que o trem passava ficavam do lado oposto ao seu assento no chão.
         Teria passado despercebido por mim, caso não seguisse a viagem devorando um livro. E durante todo o tempo, esboçava leves sorrisos ou fazia caras de indignado conforme lia.
         Observá-lo e refletir tornou-se meu passatempo naquela longa viagem de trem. Eu, que não sou mendiga no sentido literal da palavra, não carregava um livro naquele momento, mas ele, a sobra da humanidade servia-se das delícias da leitura. Homem que não sabe perder tempo da vida.
         Quando a longa cobra de ferro estacionou no terminal ferroviário, fiquei esperando que os outros descessem para ver o que faria o mendigo. Mas ele ficou ali estático, onde estava sentado, como se nada a sua volta alterasse sua vida.
           Então, solícita, cheguei-me a ele, atrapalhando seu mergulho no livro: "Percebeu que acabou a viagem?"
           O homem levantou a cabeça, me fitou profundamente com um leve sorriso e respondeu-me: "Minha viagem é aqui e nunca termina."

         

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