__ Eu os abençoo porque sei que vocês leem e acreditam na bíblia. – disse o padre, lá do altar.
Nós sabíamos que ele sabia que o que dizia era mentira, eu não estava envolvido nesse pronome (vocês), mas continuou:
__ Sei que vocês creem no que não veem, por isso estão aqui.
Naquele momento, senti uma espécie de enjoo. O padre certamente tinha conhecimento de que eu era um antirreligioso há muito tempo. Mas ele insistia em me fazer pensar que ele não percebia isso. E que tipo de epopeia eu escreveria indo de novo à igreja?
Achei que o padre estava praticando um ato desumano, me olhando intensamente, o que fazia com que a assembleia toda se fixasse em mim, como seu eu fosse um homem da pré-história, ou então um paranoico que estava ali para receber o que merecia.
Parecia que a “colmeia do Senhor” tinha chegado para me entregar o troféu de debiloide.
A feiura das caras fechadas dos fieis me deixavam ansioso, mas o herói da odisseia continuava firme, fingindo não se sentir intimidado.
Então pensei em sair dali calado, como entrei. Dei os primeiros passos, com ar descontraído, mas ouvi o padre vociferar:
__ Para! Para para Deus, meu filho! Você precisa se deixar envolver...
Fiz um esforço sobre-humano para pisar sobre minha vergonha:
__ Perdão, padre! Fui acometido por um processo antieducativo, prefiro hoje a autoaprendizagem. Como sabe, sou meio antissocial, por isso aqui mesmo fiz uma auto-observação e percebi que não posso fazer parte da sua alcateia.
__ Alcateia não! Rebanho...Meu rebanho!
__ Sabe, padre, já levei muitos pontapés na vida. Engoli jiboias e lagartos de toda gente dessa cidade medíocre, só porque queria ser eu. Todos sabem que sou ex-coroinha, e que era superexigente comigo na questão de que um dia iria para um semi-internato, onde pudesse aprender coisas mais interessantes do que histórias interestelares. Mas nem tive a chance, padre. Sabe que sou ex-aluno da escola de paraquedismo, e pude ver lá de cima, quando saltava, a imensidão do mundo e a pequenez do ser humano. Foi assim que vi sua alcateia rosnando e mostrando os dentes afiados a todos os que ousassem uma história além-mar. Eu ousei. Amém.
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