sábado, 5 de setembro de 2009

SONÂMBULO (Conto dedicado a meu irmão mais velho)


                   Ela acordou no meio da noite escura e densa sem que a chamassem. Mas alguma coisa acontecia. Ouvia conversas e sussurros de pais preocupados. Quase bebê ainda, não conseguia entender o que de fato acontecia.
                   Levantou-se, e com suas perninhas curtas caminhara até a sala onde a movimentação se dava. Vá pra cama, menina! – Seria uma preocupação a mais, se ficasse acordada.
                   Deixou-se ficar num canto atrás da porta do quarto ouvindo, pois o sono da casa havia desaparecido:
                   - Mas ele não está em lugar nenhum da rua. – o pai dizia para a mãe aflita.
                   Seu irmão mais velho havia saído durante a noite sem avisar. Moravam em uma cidade pequena demais para que o menino pudesse desaparecer tão rapidamente.
                   Você sabe, quando alguém se levanta dormindo, não deve ser acordado, porque a morte o carrega. A menininha já tinha conhecido histórias de pessoas que morreram quando alguém a acordava do sono. Ou então que o correto seria essa pessoa por os pés nas águas de um rio, ou lago para acordar sozinha. O problema era que naquela cidadela não havia um rio ou um lago. Eram só escassas casas numa vizinhança em que todos conheciam a vida de cada um.
                   O pai saiu de novo pela rua para procurar o irmão. A mãe caminhava sobre o piso vermelho brilhante da sala de um lado para outro, como se estivesse aguardando a hora do parto.
                   De novo o chefe da casa voltou da busca, sem sucesso.
                   A mãe já começava a chorar num desespero próprio que só as mães sentem quando perdem uma cria.
                   A menina continuava a espreitar tudo, de trás da porta do quarto.
                   Os dois se dirigiram ao quarto dos meninos para chamar os outros dois que ainda dormiam o sono dos inocentes. E quando entraram no quarto, a menina ouviu sussurros de uma família aliviada. O irmão que tinha saído já dormia de novo em sua cama, numa ingenuidade quase animal. Ele saiu, caminhou pela rua da pouca cidade e voltara por um lugar desencontrado do pai. Como quer que tenha voltado, não foi visto por ninguém em seu retorno, mas jazia ali em seu túmulo noturno, como se nunca tivesse saído.
                   A casa ficou silenciosa de novo e cada um voltou para seus lugares, menos a menina.
                   Com o breu na casa, ela não tinha coragem de sair de trás da porta nem para caminhar até sua estreita cama que a acolheria e protegeria de todos os medos e males. E se seu irmão saísse de novo?
                   De manhã, a mãe a encontrou encolhida atrás da porta, gelada de medo e com a cabeça cheia de perguntas. A garotinha  passou a noite ali, de onde talvez pudesse perceber qualquer movimento de abrir e fechar de portas, caso acontecesse novamente. Dessa maneira, ela conseguiria guardar a família dos seus pavores noturnos que agora aumentaram.

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