sexta-feira, 12 de março de 2010

"A mão que afaga é a mesma que apedreja" (Augusto dos Anjos)

            Havia um sol ainda alto quando aquele homem afobado passou pela minha amiga e dizendo: "DESCULPA, MOÇA!", roubou da mão dela a carteira.
            Ao meu lado, percebi que algo estranho havia acontecido, e ela, em estado de choque, numa passividade anormal de quem não consegue reagir a nada, balbuciou: "Ele roubou minha carteira."
            Não me contendo, saí em disparada atrás do homem que havia tirado da minha amiga nada mais que um objeto pequeno cheio de documentos pessoais e cartões, mas que pertencia a ela.
            Preocupado com a gritaria que fiz pela rua, jogou o motivo da perseguição a ele na rua e fugiu, mas o seguimos e vimos que adentrou uma igreja que estava aberta. Entrei e quando o encarei, sozinhos nós dois naquele salão imenso, o homem virou-se para mim e disse que tinha entrado ali para pedir perdão porque o "inimigo" (vulgo diabo) o tinha tentado, por isso agiu assim. Minha tentação foi maior ainda de não ficar calada, então disse a ele que deveria ter vergonha de pôr a culpa no diabo por uma maldade que é tão própria do ser humano e que aguardasse até que a polícia chegasse, mas ele fugiu e eu o segui até que foi preso.
             Pelas desculpas pedidas no momento do roubo e por ter entrado na igreja para ser mais um que se esconde atrás das barbas de Deus, enfureceu-me com tamanha força, que não consegui parar e deixá-lo impune.
            Então pede-se desculpas agora para se fazer o mal? Que educado... - "Me desculpa aí, mas vou tirar à força o que lhe pertence..." O ladrão afagou quando desculpou-se, mas apedrejou quando roubou.
            E o falso arrependimento veio com a velocidade de um tornado, que o fez esconder-se na primeira igreja aberta que encontrou pelas ruas. Deus afagou, acolhendo-o num templo, mas apedrejou também, já que não o livrou de seu triste destino: a cadeia.
           Eu não fui tão boa a ponto de afagá-lo, mas o apedrejei. 
           Acostumo-me então à lama que me espera, por não ter sido condolente e deixado fugir um pobre desgraçado sob efeito do álcool que só queria um pouco de dinheiro.
           E eu, após apedrejá-lo, sinto-me pequena demais por ainda não ter aprendido a afagar.
          

Um comentário:

  1. Simplesmente, maravilhoso! O homem que vive nesse mundo entre feras, também sente necessidade de ser fera! Bjos!!!

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