Morando confortavelmente por uma temporada no apartamento de uma tia
amada.
Sozinha. Telefone fixo toca. Não acho de bom tom não atendê-lo.
- Oi.
- Boa tarde! – uma voz suave do outro lado – Posso falar um minutinho
com a senhora?
- Olha, eu sou apenas funcionária aqui.
- Não tem problema. É rápido. Eu sou da Instituição de Caridade X e
quero falar de deus para a senhora.
- Não quero ouvir, obrigada.
- Mas vou falar da promessa de deus pra senhora.
- Moça, detesto promessas que envolvam terceiros. Se vai me prometer
algo, prometa-me você. Nada de envolver quem não pode. – fui perdendo a
paciência. Seminua porque estava quase entrando no banho. Muito frio. O corpo
foi gelando aos poucos. Mas ela insistiu:
- Vou só ler uma promessa de deus para a senhora.
- Moça, não vou ouvir. Desculpe-me. Não vou. – pensei em desligar o
telefone, seria de bom tom? Não deu tempo.
- Então posso deixar com a senhora a página para que leia depois? É da
bíblia!
- Senhora, não lerei. Perdão. Vou desligar.
Ouvi um riso sem graça do outro lado.
- Não gosta de ler?
- Não!!! – Foi a mentira pequena que mais doeu em mim. Doeu tanto que
queimou minha pele. Nem frio sentia mais. Agora eu poderia ficar no frio de
talvez 11 graus, me sentar e debater longamente com ela. “Melhor não”, pensei. “E
o bom tom?”
- Mas deus é muito importante...
- Não. Não quero, moça. Já tenho religião.
- Ah, então, senhora... Mas a promessa de deus é... De que religião a
senhora é?
- Minha religião é a literatura, e me proíbe de ouvir promessas,
portanto vou desligar educadamente e você também vai me deixar em paz, por
favor.
Click do telefone dela. Tu...tu...tu... Desligou antes de mim. Que falta de bom tom. A mim coube esperá-la fazer isso. Não é de bom tom ser mal educada ao telefone dos outros. Se eu
estivesse em minha casa, minha religião não teria me permitido sequer atender. Mas aqui não é de bom tom. Amém.