domingo, 4 de maio de 2014

VERDE VIDA

           Sabe-se lá por que, mas ela gostava de plantas. Obcecada, na verdade. Fumava pedra. Para uns, a crackeira. Para a família, a garotinha que estava perdida num labirinto sem saída. Para a mãe, sofrimento de tamanho imensurável. Mas ela amava plantas. Mesmo nos momentos de profunda alucinação, era o que enxergava. Nas casas por onde passava. No cemitério, reduto para seu delito. Nas árvores, naturalmente dependuradas. Plantas. Com flores ou sem elas. Plantas. Que significado poderia haver para uma adicta que não conseguia mais encontrar-se a si mesma nesse mundo cruel, roubar plantas? Ela roubava. Roubava porque amava. Porque o que lhe restara de humanidade se fazia presente quando encontrava plantas. Porque têm a cor da esperança. Talvez se agarrasse às plantas como quem se agarra a um pedaço do navio que naufragara, para se salvar. Humanidades.
Com o transporte que lhe restara para percorrer os longínquos caminhos em busca da pedra, uma bicicleta, saía desvairada pelas ruas até saciar a fome do vício. E sempre observava as plantas por onde passava.
Deu-se que certa vez passando diante de uma casa, depois de ter usado, deparou-se com uma área ornamentada por quatro xaxins de samambaias de metro. Ficou encantada. Parou. Admirou longamente. Com o resto de inocência que lhe restava, resolveu pedir à dona, uma muda da planta. “Que maravilha”, pensava. “Como são enormes!!! Quero uma dessas...”. Bateu à porta. Saiu a mulher com cara de poucos amigos e depois de ouvir o pedido, respondeu: “Você acha que eu as teria se desse mudas para todo mundo que me pede?”. A menina ficou decepcionada, mas fingiu ter aceitado a recusa. Indignada por ter o pedido negado, montou sua bicicleta e foi-se. Nunca mais saiu da sua cabeça aquelas samambaias de metro. “Eu quero ter.” Entretanto o “nunca mais” foi pouco tempo. Alguns dias depois, por acaso, sem muito acaso, passou novamente diante da casa. Seus olhos petrificaram diante da beleza das samambaias de novo. Eram tão longas. Tão belas. Pareciam cachoeiras verdes a despencarem dos xaxins. Samambaias de metro. Cachoeiras. Vida. A vida que a menina não tinha mais. Tão verde. Tão viva! Ela queria. Observou por alguns segundos. Nenhum movimento. Abriu o portão da casa sorrateiramente, como quem vai roubar um tesouro. Em silêncio adentrou a área, apossou-se de um dos xaxins, depositou-o no cano da bicicleta e saiu em disparada, levando o tesouro outrora inacessível. Sorria e pedalava. A cabeça cheia de pedra e o coração aquecido pelo ouro verde que levava. O vento batia em seu rosto e soprava delícias nos ouvidos: “Agora sim você tem uma samambaia de metro. Já que não lhe deu uma muda, leva-a inteira.” Entretanto, na corrida alucinada que ia, com suas pedaladas rápidas, temerosa de ser pega em delito, não percebeu o infortúnio. Chegou em sua casa, louca e feliz com a samambaia no cano da bicicleta. Missão cumprida! Entrou, fechou violentamente o portão, segurando a bicicleta, sempre olhando para os lados com medo de ter sido seguida. Estava alucinada! Louca de pedra.
Quando foi tirar o xaxim do seu meio de transporte, notou que não havia metro. Nem um. Nem dois. Nem nada. A samambaia havia se enroscado nos raios da roda, ornamentando a bicicleta. Pôs o xaxim diante dos olhos, lançou um olhar para a roda traseira, sem entender direito o ocorrido. Estava louca. Louca de pedra. Nem percebeu quando a vida foi se enrolando nos raios. De novo perdera. O verde do xaxim não mais existia. Estava morto na roda. Cabisbaixa, entrou com a raiz plantada nas mãos e começou a regar. Haveria de crescer de novo... Brotou, mas não cresceu. Nada de metro. Só alguns centímetros. “Será que foi castigo?”, pensava a menina. Ela ainda conseguia pensar em castigos. Não foi. A samambaia não cresceu, mas a menina sim. Voltou a viver, não sem dor. Renasceu. Nada mais de loucura de pedra. Nada mais de roubos de plantas. Curou-se das drogas, mas não das plantas. Rega a samambaia sempre, mas esta não cresce. O fruto do roubo está lá na área todos os dias olhando para ela, e diz quando a vê: “Você é muito mais forte que eu.”




Baseado em fatos. 
Bj enorme em GRACE ASSUNÇÃO EVANGELISTA. 
Pura inspiração.

Um comentário: