segunda-feira, 30 de junho de 2014

SOMOS OBRAS DE FICÇÃO

“A memória é a lembrança sob um único ponto de vista, no caso o do narrador do romance. [...] Todos somos construídos pelas mentiras que contamos a nós mesmos e nesse aspecto 
todo adulto é uma obra de ficção.” 
JOCA REINERS TERRON
Somos feitos de mentiras 
sobre nós mesmos...???

sábado, 28 de junho de 2014

SAUDADE


A saudade é uma tatuagem na alma.
Só nos livramos dela perdendo um pedaço de nós.
MIA COUTO

ALGUÉM DISSE...

A culpa atravanca tantos caminhos...
"Às vezes cansa. Os ombros pedem descanso."
E nunca conseguem descansar...
Como se segurassem a vida pesada sempre.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

CARTA A JUDAS

Ei, caro Judas...
Sabia que ainda o "malham" no sábado de aleluia?
Tem um monte de gente que o critica dois mil anos depois,
mas não perde a chance de ganhar 
um quinhão para se dar bem. 
Você tem que vir e explicar que o que fez, 
estava escrito que faria.
Como seria a história se não tivesse obedecido
a imposição do seu Pai?
Você foi pressionado, parece-me.
Poderia ter escolhido não fazer. 
Mas fez. Problema seu. Pagou.
As pessoas dos séculos que vieram não entenderam.
No séc. XXI ainda não compreendem bem isso.
Querem seguir seu exemplo, e o superam muito.
O ouro hoje é de quantidade imensurável.
Suas trinta moedinhas são nada, 
perto do vil metal a que se apegam seus seguidores. 
Hoje seriam seus chefes.
Você não entende nada de barganha e ganância, Judas.
Precisa vir aprender aqui. Em muitas igrejas.
Você não imagina o quanto se ganha 
em nome do homem que você "traiu".
Músicas, shows, bênçãos recebidas, souvenires...
Precisa lembrar-lhes de que você beijou porque amava,
devolveu as moedas, arrependeu-se (tarde demais)
e cometeu suicídio pela vergonha do que fez.
Hoje, nestes casos, não o cometem.
Se o fizessem, seria porque perderam o metal,
e o vazio do bolso lhes sufocou o pescoço.
Mas não. Não cometem suicídio.
Não têm por que. Prosperam muito.
Tudo em nome Daquele que você trocou
por trinta malditas moedas de prata.
Sinto muito, Judas. 
Você não beira aos pés dos novos mercadores de Jesus.
Se visse, iria suicidar-se de novo.


DAS IMPUREZAS

Nosso amor é impuro 
como impura é a luz e a água 
e tudo quanto nasce 
e vive além do tempo.

Mia Couto

quinta-feira, 26 de junho de 2014

...

"Ainda bem que sempre existe outro dia. 
E outros sonhos.
E outros risos. 
E outras pessoas. 
E outras coisas..."
Clarice Lispector
E outros mundos...
Assim seja!!!

...E SAIO PARA VER O SOL

"Porque há para todos nós um problema sério... Este problema é o do medo."
Antonio Candido, em sua grande sabedoria, proferiu esta frase há décadas.
"Você tem medo de quê?" - dizia uma música do Titãs de muitos anos atrás.
Não poderíamos jamais enumerar nossos medos. 
Só temos consciência de que é para nós um problema sério.

Avião
Não
Arpão
Desilusão
Senão
Paixão
Razão.


Desamor
Dor
Dissabor
Rancor
Tumor
Confessor
Traidor.


Mas medo mesmo, rima com segredo.
Portanto, não confesso os meus. 
E saio para ver o sol...








PUNIÇÃO

"Existem outros modos de punir 
além das prisões.[...]" (Voz)
MEDO DE SADE - BERNARDO CARVALHO

Que nos digam os desencontros
que a vida nos oferece sempre...

O MEDO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Em verdade temos medo. 
Nascemos no escuro. 
As existências são poucas; 


[...]
Nosso destino, incompleto. 
E fomos educados para o medo. 
Cheiramos flores de medo. 
Vestimos panos de medo. 
De medo, vermelhos rios 
Vadeamos. 
Somos apenas uns homens e a natureza traiu-nos. 
Há as árvores, as fábricas, 
Doenças galopantes, fomes. 
Refugiamo-nos no amor, 
Este célebre sentimento, 
E o amor faltou: chovia, 
Ventava, fazia frio em São Paulo. 
Fazia frio em São Paulo... 
Nevava. 
O medo, com sua capa, 
Nos dissimula e nos berça. 
Fiquei com medo de ti [...]



Excerto da poesia "O Medo".

DE CORPO E CABEÇA

São bocas
Palavras
Frases
Silêncios.

São braços
Abraços
Gestos
Trabalhos.

São pernas
Caminhadas
Encontros
Viagens.

São cabeças
Pensamentos
Sonhos
Conhecimentos
Experiências
Sentimentos
Confusões.

São pessoas
Corpos
Almas
Esperanças
Desilusões...

quarta-feira, 25 de junho de 2014

AUTOAJUDA

O que será que aconteceu com os psicólogos no mundo?
Em que sítio se esconderam?
Não é possível que com tantos posts de autoajuda nos sites de relacionamento, restem problemas 
para os profissionais da mente resolverem.
Morrerão de fome os terapeutas?
Parece até que a cura reside em postar coisas como: 
"Não desista, deus está contigo.".
Cura o quê?
A árdua necessidade de mostrar para o mundo que há uma saída fica mais evidente a cada dia.
Não há. Sinto muito. 
A vida é isso.
"Acostuma-te à lama que te espera." 
Viva com vontade de encarar tudo, 
ou disfarce a vida, na esperança 
de que todas as coisas podem ser maravilhosas.
Sem lamentações. "Viva la vita", com ou sem pleonasmos.
Nesta ou em outra língua. Viva!!!

COMPANHEIROS - MIA COUTO

quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra

quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho

e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados

deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros

mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça

por ora
basta-me o arco-íris

em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço

companheiros


DESTERRITORIALIZAÇÃO NOSSA DE CADA DIA

Para Terron, ser matogrossense tornou-se um estigma.
Vi o depoimento dele em uma entrevista que concedeu.
Mácula que terá que carregar eternamente porque nasceu no MT.
Seu pai tinha uma função que o obrigava a viajar fequentemente.
Joca nasceu no Mato Grosso por acaso.
Carrega na carteira de identidade essa naturalidade.
Triste não sentir amor pelo local de seu nascimento.
Eu deveria odiá-lo por isso. Amo o MT.
Mas não o odeio. Pior. Entendo. E gosto demais dele.
Joca Reiners Terron foi vítima da desterritorialização.
Como eu. Como tantos.
Não me reconheço no estado em que nasci também.
Não tenho quase nada de lá. Sequer boas lembranças.
Sou de onde me fiz. De territórios vários.
Das viagens que me proporcionei.
E do lugar que escolhi para viver: MT.
Somos, na verdade, um pedaço de cada terra que pisamos.
Não há um só território. Um só canto de nosso.
Feitos de pequenos fragmentos de terras
Caminhamos sem ter sob os pés um sítio que nos dê identidade fixa.
Pareço não ter pisado o estado no qual nasci.
Terron também.
A diferença é que hoje para ele, SP é o seu lugar.
Para mim, o MT.
Até que surjam outras paragens...





DEPOIS - MARISA MONTE

Depois de sonhar tantos anos
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
Depois de tantos desenganos
Nós nos abandonamos como tantos casais
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também

Depois de varar madrugada
Esperando por nada
De arrastar-me no chão
Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar
Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também

Nós dois
Já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo
Não podemos negar
Foi bom
Nós fizemos história
Pra ficar na memória
E nos acompanhar
Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também

Depois de aceitarmos os fatos
Vou trocar seus retratos pelos de um outro alguém
Meu bem
Vamos ter liberdade
Para amar à vontade
Sem trair mais ninguém
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois

quinta-feira, 19 de junho de 2014

A ESCADA - JOCA REINERS TERRON

1. Aqui começa a viagem para cima. Aqui começa a viagem para baixo. O que nem todos sabem é que escadas não levam apenas acima e abaixo. Escadas são passagens para outras dimensões. Não se trata somente de subir ou de descer, mas de transcender.
2. Em 1925, uma faxineira desapareceu na escada entre o 29º e o 30º andares do edifício Martinelli, em São Paulo. Apesar de seu marido afirmar que ela fugiu com outro, nunca se soube de seu paradeiro. Desde então aquele trecho das escadarias ficou conhecido como Triângulo das Bermudas. Outro mistério é a origem de tal nome. “Tenho certeza de que naquele dia a Maria usava saia”, afirmou a única testemunha.
3. Ajoelhe-se diante de uma escada e aproxime o ouvido do primeiro degrau. Nele, você ouvirá o tum-tum dos fabricantes de escadas africanos, aqueles que salvam vidas humanas e aumentam o jejum forçado dos leões.
4. Pise numa escada e de repente você estará em outro plano.
5. Após almoçarmos num restaurante perto de casa, falei que a deixaria. No caminho de volta ela enlouqueceu aos poucos, e ao chegarmos em casa estava fora de si. Me agrediu com um rodo, daqueles de banheiro. Procurei me defender. Despencamos no chão. Ela me perseguiu com uma tesoura de cortar cabelos que guardo até hoje (achei-a alguns dias depois na rua em frente).
Na fuga, despenquei por dois lances da escadaria do prédio.
6. Os antigos incas acreditavam que escadas eram a única forma de se atingir o plano divino. Por isso seus monumentos tinham a escada como principal elemento arquitetônico. Ao escalá-las, os incas ficavam mais próximos de Deus. Eles não contavam, porém, que o Deus deles também poderia descer pelo mesmo caminho. A escada foi o início do fim dos incas.
7. Alguém se acidentou aqui.
8. Seu Zé Maria esfrega as escadarias do edifício Itália há exatamente 35 anos. Em seu trabalho de zelador já encontrou de tudo: lenços ainda úmidos do choro de despedida de alguém que desapareceu, uma fantasia de Homem-Aranha e mais de 20 pessoas desmaiadas. Ele afirma que um fantasma habita aquela escadaria. “Mas eu nunca vi”, diz. E completa: “Quando estou subindo, o fantasma está descendo. E vice-versa”. Seu Zé Maria, ao contrário dos incas, é bastante sortudo.
9. A cada passo acima você se torna mais transparente (nuvens).
10. Depois de cair da escadaria, vaguei manco pela cidade até o endereço de um amigo. Ele ainda não tinha chegado do trabalho, e o esperei na rua. Sentado no meio-fio, percebi a ferida em meu joelho direito.
Tinha a estranha forma de uma escada.
11. A cada passo abaixo o tom de sua pele se intensifica (chamas).
12. O monumento de pedra mais antigo do mundo é a pirâmide de degraus do rei Zóster, em Saqqara, no Egito (2665 a.C.). Reza a lenda que seu arquiteto, Imhotep, desapareceu sem deixar pistas. Pesquisadores dizem que ele foi sequestrado por OVNIs. Contudo, acreditamos que Zóster se encarregou pessoalmente do sumiço de Imhotep. É sempre assim: quando os reis aprontam alguma, a culpa sempre recai nos alienígenas.
13. Escadas se desdobram em vários sentidos, conduzindo a outras dimensões.
14. Dentro deste bueiro há uma escada que leva a outro bueiro onde existe outra escada e assim sucessivamente, até dar aqui embaixo, onde nós te esperamos.
15. A ferida nunca foi totalmente curada. Meu joelho direito não é mais como antes. Sinto dores periódicas no local, e através delas consigo prever a chegada de frentes frias. De modo que ainda me sinto preso àquela escada. Penso em fazer plástica para corrigir a cicatriz. Sempre escolho ir pelo elevador.
16. Uma escada se esconde em cada descuido. O contrário também pode ocorrer.
17. As faces dos degraus onde pisamos se chamam espelhos, em arquitetura. A denominação não surgiu por acaso: as escadas de alguma forma têm o poder de refletir nossa personalidade, determinando assim o destino de cada um de nós. Ao subi-las, lembre-se: não se trata somente de subir ou descer, mas de transcender.
18. Escale esta escadinha de corda e saia num alçapão no centro do picadeiro de um circo da China.
19. Coisas terríveis acontecem nos desvãos das escadas, principalmente nos romances policiais.
20. Escadas helicoidais têm hélices e viajam.
21. Quando está tudo escuro e não há ninguém por perto, bem devagarinho e silenciosamente as escadas começam a rolar.
22. Escadas não têm fim.
Tela de Luciano Schmitz para o conto "A Escada", de Joca Reiners Terron.

No site: Clube da Leitura.

CARTÃO VERMELHO PARA VOVÓ

Passados mais de 30 minutos de jogo.
Todos na expectativa.
Vovó, que nunca assistira a um partida, estava conectada à tv.
Nunca percebemos tamanho interesse. Mas era copa do mundo.
Natural que mesmo os que sempre foram alheios se deixem contagiar.
Os bisnetos, netos e filhos nos olhávamos com certo receio.
Os olhares se perguntavam:
"Por que será o interesse? Ela nunca gostou de jogo..."
E finalmente aos 32 minutos ela não se conteve.
O comentário avassalador não veio do comentarista do jogo, mas de vovó:
"Coitado desse homem de preto. Ele corre tanto no campo
e ninguém passa a bola para ele. Que gente ruim... O que custa?
Será que é porque ele tem roupa de outra cor???"
Silêncio mortal na sala.


quarta-feira, 18 de junho de 2014

DESEJO E PESADELO

"[...]Alguns dos nossos desejos 
só se cumprem no outro, 
os pesadelos pertencem a nós mesmos."
MILTON HATOUM (DOIS IRMÃOS)
Deliciosa leitura.

LINGUAGEM - FANON

"Atribuo uma importância básica 
ao fenômeno da linguagem. 
Pois falar é existir absolutamente para o outro."
FRANZ FANON

ÚLTIMA ESPERANÇA

Bateu palmas no portão.
Pediu comida.
Ganhou. Comeu.
Com a fome saciada, não podia ir embora
sem antes fazer o agradecimento.
A dona da casa havia entrado 
para buscar o lixo para pôr na rua.
Portão encostado.
Ele entrou, viu que na sala tinha uma bisavó idosa cadeirante.
Pegou a bicicleta do bisneto, e saiu como quem recebia um pagamento.
Malditos valores invertidos esses. 
Não era ele quem precisava de pagamento.
A mão que lhe estendeu o prato de comida merecia.
Em troca do ato de caridade, ganhou a decepção.
Foi roubada no que há de mais difícil de conquistar no ser humano.
Violentamente furtada em sua confiança na humanidade.
A mão que estendeu o prato foi repreendida pela família.
Está proibida de atos de caridade na porta de casa.
Falei com ela sobre isso. 
"Não desisto!" - disse-me com convicção.
"Este é só um. Ninguém me fará perder a esperança."
Você é a minha última, tia Léia. 
Minha última esperança de quem não desiste do ser humano.
Porque está próxima a mim e conheço sua bondade.
Sua benevolência continuará a se estender para tantos outros pelas ruas.
Enquanto não roubarem suas mãos, ninguém a deterá.
Mãos de fada. Você é minha última esperança!

Infelizmente baseado em fatos em 16.06.14

domingo, 15 de junho de 2014

CONFIANÇA

Victoria Livinsgtone. Viajante no mundo.
Nasceu na África do Sul. Morou na Inglaterra.
Sua última morada: Estados Unidos.
Professora de espanhol em uma universidade de lá.
Residência provisória hoje: São Paulo.
Victoria é uma vitória para ela mesma e para os que a rodeiam.
Estuda doutorado com intercâmbio no Brasil.
Colabora com artigo para alguma revista online no mundo.
Vitoriosa, essa garota. Amou o Brasil.
Entretanto foi morar com uma brasileira nada confiável.
“Ostenta muito. Como... Como... Gosta muito de dinheiro.”
Com seu jeito de falar meio americanizado latinoamericano,
lamenta pela companheira de morada.
Pela descrição, parece que a pessoa em questão cobra por tudo.
É a legítima brasileira do “jeitinho malandro” conhecido lá fora.
A confiança é algo que se conquista com o tempo. Ou não.
“Que triste, Victoria!” Eu disse: “Com tantos brasileiros bons,
foi se deparar justamente com uma pessoa dessas...”
Será que há algo mesmo de muito comum e natural em grande parte
dos brasileiros, em querer se aproveitar das situações?
Ganhar sempre se aproveitando de fragilidade alheia?
Vale lembrar que nossos políticos saíram deste meio.
É assim que se aprende. Sinto muito por isso.
“Creia, Victoria, há muito mais gente boa do que ruim no Brasil.”
- eu disse a ela, tentando convencer a mim também.
E ainda penso que o problema não está no brasileiro, mas na humanidade.
Ela ainda ficará até o final do ano, mas pretende se mudar esse mês.
“Não posso mais tolerar aquela pessoa. Impossível a convivência.
Não há dinheiro suficiente para ela...”
Vá, Victoria. Voe para outros sítios. Conheça pessoas boas.
Desinteressadas do vil metal, que a acolha.
É possível que exista. Em algum lugar existe.
O problema é que num país conhecido lá fora pelo “jeitinho brasileiro”
de se aproveitar, torna-se difícil confiar em alguém.
Eu, brasileira, nascida e criada aqui sou reticente quanto ao ser humano.
Daqui e de outras paragens
Quando se conhece muitas pessoas,
começamos a caminhar com certa desconfiança.
Acredito mesmo que esse tipo de gente há em todo lugar do mundo.
Como há os bons também.
Cabe-nos pedir ao destino que nos ajude a encontrá-los.
Quem sabe a sorte a ajude, Victoria. Espero que sim.
E que vá embora com essa impressão apagada da lembrança.
O bom da memória é que ela tende a trazer os momentos bons,
suprimindo os ruins, quando rememoramos as pessoas
com as quais caminhamos... Tomara que eu esteja certa!







sábado, 14 de junho de 2014

MIA COUTO

Começo a chorar
do que não finjo
porque me enamorei
de caminhos
por onde não fui

e regressei
sem ter nunca partido
para o norte aceso
no arremesso da esperança

MIA COUTO

CORAÇÃO VAGABUNDO

Nunca imaginei que um coração vagabundo pudesse ser tão útil.
No primeiro dia de aula ela participou muito:
“Ãããn... Maish, eu penso que a literatura ... Ãããhh... Pode ter suash nuancesh...”
Legítimo sotaque português. Pensei: “Essa menina é de Portugal.”
O professor perguntou sua origem: “Sou da Polônia.”
Ontem me disse que cursa mestrado em Berlim. Fala fluentemente alemão.
Está estudando uma disciplina no Brasil, o que lhe deu tempo suficiente para começar a namorar um carioca. “Já eshtou tentando falar o portuguêsh daqui.” E com um riso maroto disse: “Tá ligada?”. Rimos. Espero que não empobreça seu vocabulário.
Contou que aprendeu alemão por que se apaixonou por um gajo de lá.
Depois se encantou com um árabe, enveredou-se pela língua dele.
“Queria aprender hebraico. Judeu, adoro judeu.”
Agora, com o carioca, está se fazendo com o português brasileiro.
“Mas que coração vagabundo bom esse seu, Joana. O único conhecido por mim que faz crescer tanto. Geralmente são cegos e param na inutilidade da paixão momentânea.” Rimos de novo.
Ela também fala inglês. E sabe-se lá quantas línguas mais aprenderá até que encontre um estrangeiro que a segure por mais tempo. Tomara que não. Assim conhecerá tantos idiomas que mal caberão em seu mundo. Uma estrangeira dela mesma. Apaixonada por línguas todas que não a sua de origem.
Viaje, Joana. Conheça mesmo. O mundo é grande demais para uma língua só e tantas paixões. Espero que não pare tão cedo de buscar uma identidade fixa neste planeta, pois não há. "O mundo é grande demais para que fiquemos cá com problemas tão pequenos."

Ficarei saudosa dosh tantosh essesh...

quarta-feira, 11 de junho de 2014

OLHARES

Só corro o risco de simpatizar
com quem olha nos olhos.
O que entra por eles não passa incólume.
Mas alguns visões perturbam
uma mente infinitamente.
Olhar nos olhos implica
doar-se ao outro.
Narra-se com os olhos.
Há olhares de súplicas.
De dores.
De paz.
De angústia.
De frieza.
De incerteza.
De tudo o que já vimos.
Mas há o olhar que te habita.
Do qual você não consegue
se desvencilhar mais
porque se deixou cativar.
Este consome a alma
de uma esperança bruta
nascida do contato dos olhos apenas.
Só acaba quando se fecham para sempre.






BOSSA

"Porque foste em minh'alma como um amanhecer,
Porque foste o que tinha de ser..."
TOM JOBIM
Porque tudo só é o que
tem que ser. Ponto.
Sem reticências.
Amém.

MAL-ESTAR

Segunda-feira fui acometida de uma espécie de vazio indescritível.
Uma lacuna por dentro que não se deu em relação a nada interior.
Deveu-se a um fator externo fundamental: minha aula, ou a falta dela.
Ou seja, meu egocentrismo tornou-me cega às reivindicações alheias, eu sei.
Respeito as greves, as manifestações todas que ocorrem nesse momento político delicado no país. A copa? Nunca fui a favor. Na época do sorteio dos países candidatos, ninguém foi às ruas. Nem eu, embora soubesse que não seria boa coisa. Saúde, educação, segurança, igualdade? Em que época da história fora do meu conhecimento ocorreu com eficácia de fato no país?
Eu mesma sempre fui grevista e apoiei inúmeros movimentos.
O problema é que isso parece ter virado uma espécie de modismo.
Manifestar-se contra tudo e nada ao mesmo tempo. Dá-nos a impressão de que o que importa é ir às ruas. Mostrar-se. Postar no face. Aparecer na mídia. Os anos 60 deixaram um legado de luta aos brasileiros, esses que suportaram calados todas as privatizações ocorridas nos anos 90. Ninguém se manifestou. Era como se estivéssemos dopados e amedrontados ainda pelas tantas dores oriundas da ditadura. A democracia devolveu o direito da manifestação aos cidadãos. Contudo, a esquerda brasileira foi vítima da própria ideologia. Parece que as rédeas estão soltas e não se enxerga mais um ponto de parada seguro. Todos os dias, todas as horas, o que se ouve?  PARALISAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, REIVINDICAÇÃO, GREVE. Bom que se faça, mas com algumas ressalvas. Tem que ser legal.
Dia desses, li no face de uma amiga norteamericana que está em SP estudando:

"Two words in Portuguese that are important to know if you live in São Paulo: "greve" (strike) and "garoa" (drizzle). Despite those things, I do love this city!!!". 

Victoria não conhecia greve. Eu sim. Por que isso tem me assustado tanto agora? Por que tenho a impressão de que algo muito ruim ronda nosso país? Onde irá parar toda essa revolta, quebradeira e vandalismo que se instala nesse meio, de forma a denegrir a imagem de quem luta realmente por um ideal? Mas que ideal? Corruptos tivemos desde que os portugueses aqui aportaram. Tirando das contas os revolucionários que lutaram contra a ditadura, 514 anos depois o cidadão brasileiro finalmente acordou? Parecemos todos a Bela Adormecida que depois de acordarmos após tanto tempo de sono, desejamos um príncipe que nos faça felizes para sempre. E o Brasil está longe de trazer um príncipe perfeito que instale a felicidade no país tropical. Tantos anos de colonialismo, só poderia ter um final de conto de fadas muito ruim...





UM FANTASMA NO PLAYGROUND

Tarde gelada. Vento forte. Três crianças no playground.
Sentada de costas para o parque, ouço uma voz desesperada me chamar:
- Moça! - olho para um garotinho sobre a bicicleta. Playground vazio. - Moça! Tem fantasma no balanço.
- É o vento! - eu disse.
- Não! Não é o vento. Estávamos em um balanço brincando e de repente o outro começou a balançar sozinho.
- É o vento - eu disse, tentando convencer a mim mesma.
- Ah, tá. - respondeu o garotinho e foi embora sobre sua bicicleta.
Olhei longamente para o balanço. Não se mexia. Os fantasmas estão dentro de nós mesmos, pensei. Um dia o menininho perceberá isso.
Lancei mais um olhar rápido para o balanço. Por via das dúvidas, fui para casa também...

quinta-feira, 5 de junho de 2014

BANALIDADE

Uma folha seca pode ser só uma folha seca. 
Ou não. 
Tudo depende da perspectiva.
Foto: junho/2014

O MONSTRO MORA DENTRO

Zigmunt Bauman afirma em seu livro O mal estar da pós-modernidade (1998), que "o homem pós-moderno trocou suas possibilidades de felicidade por um quinhão de segurança", por isso construiu muralhas para se abrigar. Ter segurança é prioridade para o sujeito hoje, que vive às turras com o receio do outro. Medo do que vive à margem. Pavor de ser invadido por aqueles que nada têm. Vivemos uma civilização que escolheu limitar sua liberdade em nome da segurança. É cada vez mais crescente o número de condomínios fechados, cheios de grades, câmeras, sensores, cercas elétricas para deixar bem longe qualquer ameaça de fora.
O problema dessa prisão toda em que se colocou, não é quando alguns ladrões mais espertos fazem arrastões absurdos nos ambientes reclusos que surgiram para proteger. O grande percalço hoje são os monstros que estão lá dentro. Alguns que pagam por essa segurança toda, para terem a impressão de proteção, e tornam-se eles mesmos a grande ameaça. Dentro do lugar que escolhera viver sem liberdade, esse sujeito pratica crime que causaria inveja a qualquer maníaco. 
Não conhecemos nossos vizinhos. Nada sabemos do que se passa na cabeça alheia, nunca. Não conhecemos sequer aqueles com os quais convivemos. O zelador Jezi Lopes de Souza não imaginava que naquela fatídica tarde se depararia com o monstro que lhe tiraria brutalmente a vida, o publicitário Eduardo Tadeu Pinto Martins. Sem intenção, este publicitário mais uma vez alerta a sociedade sobre o perigo de ser humano: encontrar outro ser humano disposto a tomar atitudes de monstro. Não há segurança. Nem confiança. Nem paz. Enquanto houver o ser humano, lugar nenhum será seguro. Ele consegue tirar a poesia do mundo em milésimos de segundos. 
Em breve não se ouvirá mais a mídia nervosa falando sobre o assunto. Como aconteceu com tantos outros casos, alguns solucionados em meio a estranhas provas. Não mais ouviremos falar. E não passará de mais um crime bárbaro cometido por um homem que não pertence à baixa classe tão perigosa. Neste caso, o inimigo mora dentro dos portões do condomínio. Não precisa ser ao lado. Nem do lado de fora. Aqui, o monstro mora dentro. Do condomínio e do homem. Aprendeu bem: diante dos desafetos, morte a eles.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

BOM SOM

Às vezes nos lugares mais improváveis encontramos as coisas que mais gostamos.
Frio. Dez da noite. "Vamos comigo à casa de E.?" - minha tia com olhar pedinte.
"Sim". Só tinha que entregar uma encomenda.
Ele, um homem da idade do meu pai. Faz parte da família. Com minha tia.
"Bem-vindas!!!" - disse à porta com largo sorriso.
Adentramos aquele mundo no qual talvez eu nunca mais pise algo igual.
Decoração feita sob encomenda. Sem comentários.
Embora já conhecesse, toda vez que vejo, meus olhos sorriem e se indignam.
Conversamos um pouco, pediu que eu olhasse os dvd's que tinha.
Vamos assistir algo? Queria talvez mostrar a potência do som.
Sala de cinema. Som de primeira linha.
Nada que muito dinheiro não compre.
Não gosto de agradar ninguém. "Puxa vida! Que enrascada!"
O que teria naquela estante que pudesse me apetecer?
Começou a baixar tudo.
Entre mortos e feridos da estante, comecei a visualisar:
Entre outros, Queen, Dire Straits, Eric Clapton, Elton Jhon, Andrea Bocelli e
Pink Floyd... Roger Waters. "Live in Berlin".
Não cri. "Quero ver esse, por favor".
Pedido atendido.
Viagem ao paraíso. Arrepios. Satisfação.
Nada como encontrar algo nos lugares em que não se espera.
É como viajar para SP e encontrar PROVENCE.
A vida tem dessas coisas. Ganhei a noite!
Vale a pena quando a alma está aberta.
Lugares improváveis, encontros quase impossíveis.
Um som fez valer meu dia todo.
"Mother do you think they'll like this song?"
I loved...
A vida tem dessas pequenas surpresas agradáveis.
Só tem que estar aberto para receber.
E eu me abri.